Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu Partido Republicano

Política da teoria da conspiração alcança Mickey Mouse

Briga entre Disney e Flórida mostra transformação do Partido Republicano em movimento radical construído em torno de intimidação

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Até recentemente, o atual confronto entre a Disney e o estado da Flórida pareceria inconcebível. Os ataques dos republicanos da Flórida à gigante do entretenimento vão prejudicar a economia do estado —talvez gravemente. Eles refletem um salto repentino na direção da intolerância em um país que parecia estar se tornando cada vez mais tolerante; e as denúncias contra a Disney são, para resumir, insanas.

Mas o que está acontecendo na Flórida faz sentido quando você percebe que o que o governador Ron DeSantis e seus aliados querem não tem nada a ver com políticas ou mesmo com a política no sentido convencional. O que estamos vendo na verdade são sintomas da transformação do Partido Republicano de um partido político normal em um movimento radical construído em torno de teorias da conspiração e de intimidação.

Sobre a economia: apenas alguns meses atrás, o jornal local Tallahassee Democrat publicou um artigo intitulado "O rato que não precisa rugir", afirmando que o enorme papel da Disney World na economia da Flórida lhe dava uma influência política quase incontestável.

O governador da Flórida, Ron DeSantis, durante a CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora) em Orlando, Flórida - Joe Skipper/Reuters

Mais diretamente, a Disney World fica em um "distrito especial" de 10 mil hectares, no qual a companhia fornece os serviços públicos básicos, embora pague impostos de propriedade. Na semana passada, porém, DeSantis assinou uma lei que elimina esse distrito, o que deixará os contribuintes locais em dificuldades —e também, segundo reportagens, os sobrecarregará com mais de US$ 1 bilhão em dívidas.

Além disso, o resort emprega um grande número de pessoas e atrai milhões de visitantes por ano, os quais gastam um dinheiro que reforça a economia da Flórida em geral. E, de forma menos tangível, a Disney World certamente contribuiu para a imagem da Flórida como um lugar desejável para se visitar e viver. A indústria de lazer e hotelaria do estado é enorme, e a Disney World é uma razão importante disso.

Entretanto, tudo isso foi posto sob ameaça quando a Flórida aprovou sua lei "Não diga gay", que não só restringiu o que as escolas podem dizer sobre gêneros, mas também limitou severamente sua capacidade de aconselhar estudantes confusos sem o consentimento dos pais e abriu a porta para processos legais de pais que alegam violações de regras vagamente definidas.

A Disney não teve nada a dizer sobre essa legislação enquanto estava sendo discutida. Mas uma companhia de entretenimento cujo negócio depende em parte de sua imagem pública não pode parecer muito fora de sintonia com os costumes sociais predominantes. E a sociedade americana como um todo se tornou muito mais aberta sobre questões LGBTQIA+ do que costumava ser. A aprovação ao casamento de pessoas do mesmo sexo aumentou de 27% em 1996 para 70% no ano passado. Então, no final da história —depois que a lei foi aprovada no Legislativo— , o CEO da Disney finalmente declarou que sua empresa se opunha a ela.

A reação republicana foi radical —mas hoje em dia sempre é.

Não muito tempo atrás, usar o poder estadual para impor penas financeiras a empresas por expressarem opiniões políticas das quais você não gosta seria considerado inaceitável. De fato, pode ser inconstitucional. Mas o ataque à Disney foi muito além de represálias financeiras: de repente, Mickey Mouse faz parte de uma vasta conspiração. O vice-governador da Flórida foi à Newsmax acusar a Disney de "doutrinar" e "sexualizar crianças" com sua "agenda não secreta".

Se isso parece loucura —o que é—, também é cada vez mais a norma republicana. Eu não acho que o jornalismo político captou até que ponto o Partido Republicano se tornou QAnonizado.

Como mencionei outro dia, aproximadamente a metade dos republicanos acredita que "altos democratas estão envolvidos em círculos de elite de tráfico de crianças". Veja um número ainda mais impressionante: 66% dos republicanos aceitam a "teoria da substituição dos brancos", concordando totalmente ou em parte com a afirmação de que "o Partido Democrata está tentando substituir o eleitorado atual por eleitores de países mais pobres do mundo todo".

Diante dessa mentalidade, políticos republicanos ambiciosos naturalmente apoiam políticas destinadas a jogar com a paranoia da base e acusam qualquer um que se oponha a essas políticas de fazer parte de uma conspiração nefasta.

E a natureza bizarra dos ataques à Disney não apenas atende à loucura da base republicana; o próprio absurdo desses ataques também é uma mensagem de intimidação destinada ao mundo empresarial. Ela diz, com efeito: "Não importa como você conduz sua empresa, quão inócuo seu comportamento realmente seja. Se você criticar nossos atos, ou deixar de alguma maneira de demonstrar fidelidade à nossa causa, encontraremos uma maneira de puni-lo".

O modelo óbvio aqui é a Hungria de Viktor Orban, onde a Conferência de Ação Política Conservadora será realizada no próximo mês. Como colocou um recente relatório da Freedom House, na Hungria "os empresários cujas atividades não acompanham o interesse financeiro ou político do governo tendem a enfrentar assédio e intimidação e são sujeitos à crescente pressão administrativa para uma possível aquisição".

Por isso a luta sobre a Disney é na verdade um sintoma de um acontecimento muito mais amplo e perturbador: a QAnonização e orbanização de um dos maiores partidos políticos dos Estados Unidos, o que está pondo em risco nossa democracia.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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