Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu tecnologia

Criptomoedas estão quebrando; onde estavam os reguladores?

Indústria teve um sucesso espetacular ao criar imagem de vanguardista e respeitável

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Quando o Federal Reserve [banco central dos Estado Unidos] fala, usa uma linguagem própria, o "Fedspeak". Uma frase concisa ou uma metáfora impressionante pode facilmente se transformar em manchete, causando grandes movimentos no mercado e uma reação pública.

Por isso, a linguagem técnica seca e os eufemismos geralmente são a forma escolhida. Dada essa realidade, a franqueza de um discurso recente sobre a regulamentação das criptomoedas feito por Lael Brainard, vice-presidente do Fed, é quase chocante. É verdade que Brainard não foi tão longe quanto Jim Chanos, o famoso vendedor a descoberto que chamou a criptomoeda de "lixão predatório". Mas ela chegou perto.

Representação da criptomoeda bitcoin - Dado Ruvic - 13.mar.2020/Reuters

O primeiro título de seus comentários foi "Distinguindo inovação responsável de evasão regulatória", e ela sugeriu enfaticamente que grande parte do universo criptográfico é impulsionado pela última. A banca tradicional é regulamentada por uma razão; a criptomoeda, ao contornar esses regulamentos, disse ela, criou um ambiente sujeito a pânicos bancários, sem mencionar "roubos, invasões e ataques por resgate", além de "lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo".

Fora isso, está tudo bem.

O fato é que a maior parte da litania de Brainard já é óbvia há algum tempo para observadores independentes. Então, por que só agora estamos ouvindo pedidos sérios de regulamentação?

As criptomoedas existem desde 2009 e, durante todo esse tempo, nunca tiveram um papel importante nas transações do mundo real –a tentativa muito badalada de El Salvador de tornar o bitcoin sua moeda nacional foi um desastre.

Então, como as criptomoedas chegaram a valer quase US$ 3 trilhões (R$ 16,1 trilhões) em seu pico? (Dois terços desse valor já desapareceram.) Por que nada foi feito para conter as "stablecoins", que supostamente estavam atreladas ao dólar americano, mas claramente sujeitas a todos os riscos de bancos não regulamentados, e agora passam por uma série de colapsos que lembram a onda de falências de bancos que ajudaram a tornar grande a Grande Depressão?

Minha resposta é que, embora a indústria de criptomoedas nunca tenha conseguido criar produtos que sejam muito usados na economia real, ela teve um sucesso espetacular no próprio marketing, ao criar uma imagem de vanguardista e respeitável. Fez isso, particularmente, cultivando pessoas e instituições importantes.

Não estou falando aqui sobre a adoção da criptomoeda por libertários e tipos "Faça a América Grande de Novo", nem estou falando sobre episódios embaraçosos como aquele anúncio de criptomoeda estrelado por Matt Damon. O que me impressiona mais é até que ponto as criptomoedas ganharam reputação de respeitabilidade por meio da associação com instituições e indivíduos destacados.

Suponha, por exemplo, que você use um aplicativo de pagamentos digitais como o Venmo, que demonstrou amplamente sua utilidade em transações do mundo real (você pode até usá-lo para comprar produtos em barracas de frutas na calçada).

Bem, se você for à página inicial do Venmo, encontrará um convite para usar o aplicativo para "começar sua criptojornada"; no próprio aplicativo, uma guia "Cripto" aparece logo após "Início" e "Cartões". Certamente, então, a criptomoeda deve ser um negócio sério.

Suponha que você queira aprender sobre criptomoedas. Muitas universidades famosas oferecem programas, normalmente cursos por assinatura online.

Suponha que você queira saber quem assessora os principais players da indústria de criptomoedas. Bem, o conselho do Digital Currency Group, um dos maiores atores, inclui um copresidente do conselho administrativo da Brookings Institution e um ex-secretário do Tesouro como consultor.

Dada essa aura de aprovação geral, quantas pessoas estariam dispostas a acreditar que o imperador digital estava nu? Mais precisamente, quantas estariam dispostas a aceitar uma contenção regulatória?

Por que essas instituições e pessoas tradicionais estavam dando cobertura ao que é, como Brainard deixou claro, uma indústria altamente duvidosa? Não acredito que tenha havido alguma corrupção (ao contrário do que acontece no próprio setor de criptomoedas, que é inundado por fraudadores).

Na verdade, sei por experiência própria que alguém pode ganhar dinheiro fazendo o que parece ser um trabalho honesto e só mais tarde descobrir que as pessoas que assinaram o cheque eram golpistas.

Ainda assim, claramente houve e há recompensas financeiras envolvidas. Não sei quanto a Venmo ganha com pessoas que compram e vendem criptomoedas em sua plataforma, mas certamente não está oferecendo o serviço por pura boa vontade. Se você quiser fazer, por exemplo, o curso de blockchain online do MIT, custará US$ 3.500.

A meu ver, a criptomoeda evoluiu para uma espécie de golpe da pirâmide pós-moderno. A indústria atraiu investidores com uma combinação de tecnoblablá e disparates libertários; ela usou parte desse fluxo de caixa para comprar a ilusão de respeitabilidade, o que atraiu ainda mais investidores. E durante algum tempo, mesmo com a multiplicação dos riscos, tornou-se, de fato, grande demais para ser regulamentada.

Uma maneira de ler o discurso de Brainard é que ela estava dizendo que o crash das criptomoedas oferece uma oportunidade –um momento em que uma regulamentação efetiva se tornou politicamente possível. E ela nos exorta a aproveitar esse momento, antes que a criptomoeda deixe de ser um mero cassino e se torne uma ameaça à estabilidade financeira.

É um conselho muito bom. Espero que o Fed e outros formuladores de políticas o aceitem.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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