Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Os democratas simplesmente salvaram a civilização?

Biden conseguiu quase tudo o que queria sobre o clima

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The New York Times

Eles realmente conseguiram. A Lei de Redução da Inflação, que é basicamente um projeto de lei de mudança climática com uma ajuda paralela à reforma da saúde, foi aprovada no Senado no domingo (7); segundo todas as declarações, passará facilmente na Câmara, então está prestes a se tornar lei.

Esse é um negócio muito grande. A lei não é, por si só, suficiente para evitar o desastre climático. Mas é um passo enorme na direção certa e prepara o terreno para mais ações nos próximos anos. Catalisará o progresso na tecnologia verde; seus benefícios econômicos facilitarão a aprovação de outras leis; dá aos Estados Unidos a credibilidade necessária para liderar um esforço global para limitar as emissões de gases do efeito estufa.

Capitólio dos EUA, centro legislativo do país - Stefani Reynolds - 6.ago.2022/AFP

Há, é claro, cínicos ansiosos para degradar a conquista. Alguns da esquerda apressaram-se a rejeitar o projeto de lei como um presente para a indústria de combustíveis fósseis fingindo-se de ação ambiental. Mais importante, os republicanos –que se opuseram unanimemente à legislação– estão gritando as coisas de sempre: Grandes gastos! Inflação!

Mas os verdadeiros especialistas em energia e meio ambiente estão muito felizes com o que foi realizado, e economistas sérios não estão preocupados com o efeito sobre a inflação.

Começando pelo lado ambiental. Muitas pessoas com quem converso acreditam que a agenda ambiental do presidente Biden, conforme sua proposta original "Reconstruir Melhor", deve ter sido muito diluída na legislação que de fato recebemos. Afinal, os democratas não tiveram que fazer grandes concessões para conquistar o senador Joe Manchin? Não há brindes importantes para os interesses dos combustíveis fósseis, como a ajuda para um controverso gasoduto de gás natural?

No entanto, analistas de energia acreditam que qualquer efeito climático adverso dessas concessões será superado pelos ganhos em créditos fiscais para energia limpa. O Projeto Repeat, compilado pelo Zero Lab de Princeton, produziu uma comparação lado a lado dos cortes de emissões sob a Lei de Redução da Inflação e sob a versão anterior da Câmara do Reconstruir Melhor. Até 2035, segundo eles estimam, a Lei de Redução da Inflação terá entregado mais de 90% das reduções de emissões que o Reconstruir Melhor teria conseguido. Depois de todo esse drama legislativo, a política climática de Biden saiu basicamente intacta.

Como isso foi possível? Logo no início, o governo Biden decidiu que sua política climática seria apenas atrativos, sem penalidades –ela ofereceria incentivos para fazer a coisa certa, não castigos por fazer a coisa errada. Esperava-se que essa estratégia se mostrasse politicamente viável de uma forma que, digamos, um imposto sobre o carbono não seria. E essa esperança se confirmou.

Além disso, é uma estratégia que parece inclinada a pagar dividendos políticos no futuro. Um novo estudo, de E. Mark Curtis e Ioana Marinescu, conclui que "o crescimento das energias renováveis leva à criação de empregos com salários relativamente altos, que geralmente se situam em áreas que poderão perder com o declínio dos empregos na extração de combustíveis fósseis".

Então, o que o governo Biden perdeu? Infelizmente, grande parte dos gastos sociais originalmente incluídos no Reconstruir Melhor foi cortada –créditos fiscais para crianças, pré-escola universal e outros. Isso é trágico, embora os subsídios aprimorados aos seguros-saúde, que ajudaram a reduzir a taxa de não segurados dos Estados Unidos a um nível recorde, tenham sido ampliados. Mas os democratas cumpriram suas promessas climáticas mais ou menos na íntegra.

E a crítica da direita? Além da patética tentativa de retratar a Lei de Redução da Inflação como um grande aumento de impostos sobre a classe média, republicanos como Mitt Romney estão tentando juntar essa legislação com o Plano de Resgate Americano do ano passado, que eles afirmam ter causado o aumento da inflação.

Não importa se essa afirmação é verdadeira. O importante é fazer as contas. A Lei de Redução da Inflação exige gastar menos de US$ 500 bilhões ao longo de uma década, em comparação com o US$ 1,9 trilhão do Plano de Resgate Americano em um único ano –e realmente reduzirá o déficit. É por isso que analistas independentes acham que ela terá poucos efeitos sobre a inflação.

Mas se o gasto não é muito grande, como pode ter um impacto tão extenso? A resposta é que agora estamos sentados numa espécie de cume. A tecnologia de energias renováveis fez um progresso revolucionário, e em muitas áreas essas energias já estão mais baratas que os combustíveis fósseis. Um empurrão moderado das políticas públicas é tudo o que será necessário para a transição para uma economia muito mais verde. E a Lei de Redução da Inflação dará esse impulso.

Diante disso tudo, entretanto, por que todos os senadores republicanos votaram contra a lei? Eles não são todos ignorantes; tenho certeza de que Romney, por exemplo, sabe que está falando bobagem.

Tampouco podemos invocar facilmente diferenças de ideologia. A pressão climática da Lei de Redução da Inflação depende principalmente de créditos fiscais –e os próprios republicanos usaram créditos fiscais para alcançar objetivos sociais, como os (muito abusados) créditos da Zona de Oportunidades no corte de impostos de Donald Trump em 2017.

Quase certamente, o que estamos realmente vendo é a política do despeito. Todos os republicanos no Senado queriam matar nossa melhor chance de evitar o desastre climático, simplesmente para negar uma vitória ao governo Biden.

A boa notícia é que a legislação foi aprovada apesar do despeito deles. E o mundo é um lugar mais esperançoso do que era algumas semanas atrás.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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