Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Como Liz Truss causou tanto dano em tão poucos dias

Novo governo desperdiçou sua credibilidade ao anunciar programa econômico e abandonar sua viga central dias depois

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Liz Truss, que se tornou primeira-ministra do Reino Unido há menos de um mês, pode ter batido um recorde de velocidade política. Ela certamente não é a primeira líder que foi forçada a fazer uma meia-volta política diante das reações adversas do mercado. Mas anunciar um programa econômico e depois abandonar sua viga central apenas dez dias depois é algo especial.

E nós da centro-esquerda podemos ser perdoados por sentir um certo prazer pela desgraça, acho eu. Os conservadores alertam constantemente que as políticas progressistas serão punidas pelos "vigilantes dos títulos", que, segundo eles, aumentarão as taxas de juros na perspectiva de qualquer aumento de gastos públicos.

Tais avisos geralmente se mostram errados. Na Grã-Bretanha, entretanto, os vigilantes dos títulos realmente apareceram: as taxas de juros dispararam depois que o governo Truss anunciou seus planos econômicos. Mas o mercado não estava reagindo a gastos excessivos; estava reagindo a cortes de impostos irresponsáveis.

Primeira ministra britânica, Liz Truss - Peter Nicholls - 08.set.22/Reuters

Dito isso, a história simples –Truss propôs políticas que aumentariam o déficit orçamentário e alimentariam a inflação, e os mercados reagiram empurrando as taxas de juros para cima e a libra para baixo– perde muito do que realmente aconteceu. Foi simultaneamente mais e menos que uma questão de dólares e centavos (ou libras e pence). Em vez disso, tratou-se principalmente de um governo desperdiçando sua credibilidade intelectual e moral.

Qual o tamanho do corte fiscal que Truss propôs? Ela e seus assessores anunciaram sua política sem classificação orçamentária, o que contribuiu para a perda de confiança do mercado. No entanto, existem estimativas independentes; por exemplo, a Resolution Foundation, um grupo de analistas britânico, estimou os cortes de impostos de Truss em 146 bilhões de libras (R$ 852 bilhões) nos próximos cinco anos, o que seria cerca de 1% do PIB projetado para o mesmo período. Isso não é trivial, mas também não é enorme. E o corte de impostos específico que acabou de ser abandonado, uma redução na alíquota máxima de imposto, era apenas parte desse total.

Então, por que a reação do mercado foi tão feroz? Em parte porque Truss e Kwasi Kwarteng, o chanceler do Tesouro, justificaram seus atos com a afirmação muito desacreditada de que a redução das alíquotas mais altas de impostos daria um enorme impulso ao crescimento econômico. Isso levantou dúvidas sobre a competência deles e, de fato, sua conexão com a realidade; nunca é bom quando economistas de grandes bancos declaram que o partido governante de um país se tornou um culto apocalíptico.

Perguntas sobre a avaliação de Truss foram reforçadas pela falta de noção de seu timing. No momento, os europeus comuns, incluindo os britânicos, enfrentam tempos difíceis, em grande parte como consequência indireta da invasão da Ucrânia pela Rússia. Os ucranianos, incrivelmente, parecem estar ganhando a guerra; não diminui seu valor dizer que as armas ocidentais desempenharam um papel importante nesse sucesso. Então, Vladimir Putin tentou pressionar o Ocidente cortando os fluxos de gás natural.

Esse é um enorme choque econômico adverso para a Europa, provavelmente maior que os choques do petróleo da década de 1970. Os governos estão tentando limitar a dificuldade causada pelo aumento das contas de energia. Mas toda a Europa –novamente, incluindo a Grã-Bretanha– enfrenta algo como o equivalente econômico da guerra. (Os Estados Unidos são muito menos afetados, embora os preços do gás natural também tenham subido aqui.) E, como em tempos de guerra, as políticas governamentais precisam promover a sensação de que as pessoas estão todas juntas nisso.

Nesse momento, a redução de impostos para os ricos, que já são menos afetados pelos preços mais altos da energia do que as pessoas com renda mais baixa, passa a mensagem de que apenas os pequenos enfrentarão dificuldades. Essa mensagem é especialmente tóxica porque o público britânico já está em alvoroço com os cortes nos serviços públicos, especialmente na saúde, e quer ver os impostos subirem, não baixarem, para subsidiar mais. E é difícil governar de forma eficaz quando você enfureceu a maior parte de sua nação.

Houve mais um fator na turbulência de mercado criada pelas propostas de Truss, que ampliou os efeitos da perda de credibilidade. Acontece que os fundos de pensão britânicos, que possuem muitos títulos do governo, tentaram reduzir os riscos com estratégias financeiras complexas que exigem que eles coloquem dinheiro extra quando as taxas de juros sobem e os preços dos títulos caem. Quando as taxas de juros subiram repentinamente, os fundos de pensão não conseguiram levantar dinheiro suficiente em curto prazo –e isso ameaçou forçar a venda de títulos que elevariam ainda mais as taxas. A intervenção de emergência do Banco da Inglaterra limitou o dano, mas o episódio acrescentou ainda mais ansiedade.

E sim, com as taxas de juros subindo em quase todos os lugares, é preciso se perguntar se há outras crises financeiras esperando para acontecer. O colapso dos títulos britânicos provavelmente foi excepcional, mas ninguém que se lembra de 2008 pode evitar sentir certo nervosismo.

Mas voltando ao desastre de Truss. Como eu disse, a reação selvagem do mercado aos planos da nova primeira-ministra foi causada por mais do que dinheiro. Em tempos difíceis, os líderes precisam ser vistos como realistas e justos. Mas o que a Grã-Bretanha conseguiu foi uma líder que parece viver num mundo de fantasia e é alheia às preocupações sobre solidariedade social. E vai ser muito difícil compensar o dano que ela causou em apenas alguns dias.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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