Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

O poder plutocrático e os seus perigos

A grande riqueza e os seus problemas fazem parte importante da história americana

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Os ricos são diferentes de você e de mim: Eles têm muito mais poder. Mas quando tentam exercer esse poder, podem se apanhar em uma armadilha –ao apoiar políticos que, se conseguirem, criarão uma sociedade na qual nem os ricos gostariam de viver.

Esse, eu diria, é o tema comum a quatro grandes histórias que se têm desenrolado ao longo dos últimos meses. São elas: a relação entre o juiz Clarence Thomas e o bilionário Harlan Crow; a ascensão e o aparente declínio da campanha presidencial de Ron DeSantis; os julgamentos (literalmente) da Fox News; e o Muskopalypse no Twitter.

Em primeiro lugar, algumas notas sobre o papel da vasta riqueza em uma democracia.

Ron DeSantis fala na Liberty University - Justin Ide -14.abr.23/Reuters

As pessoas de direita insistem frequentemente que expressar qualquer preocupação sobre a grande concentração de riqueza é "antiamericano". A verdade, porém, é que a preocupação com os perigos que a grande riqueza representa para a democracia faz parte da tradição americana. E a nossa nação basicamente inventou a tributação progressiva, que era tradicionalmente vista não só como uma fonte de arrecadação mas também como uma forma de limitar a riqueza excessiva.

De fato, se lermos o que figuras proeminentes disseram durante a era progressista, muitas expressaram opiniões que hoje em dia seriam denunciadas histericamente como uma guerra de classes. Theodore Roosevelt advertiu contra "uma pequena classe de homens enormemente ricos e economicamente poderosos, cujo principal objetivo é manter e aumentar o seu poder". Woodrow Wilson declarou: "Se há homens neste país suficientemente grandes para serem donos do governo dos Estados Unidos, eles serão os donos".

Como é que uma grande riqueza se traduz em grande poder? O financiamento de campanhas é dominado por um pequeno número de doadores extremamente ricos. Mas existem várias outras formas de exercer influência.

Até pouco tempo atrás eu teria dito que a corrupção direta —compra direta de favores aos responsáveis por decisões políticas— era ocorrência rara. A revelação pela ProPublica de que o juiz Thomas desfrutou de muitas férias luxuosas e não reveladas à custa do bilionário do mercado imobiliário Harlan Crow sugere que talvez eu não tenha sido suficientemente cínico.

Para além disso, há a porta giratória: Antigos políticos e funcionários públicos que apoiaram os interesses dos ricos encontram cômodas garantias de sinecura em empresas de lobby, organizações de pesquisa e organizações de mídia. Essas organizações também ajudam a moldar o que os analistas militares chamam o "espaço de informação", definindo o discurso público de formas que favorecem os interesses do mais ricos.

Apesar disso tudo, há um limite para o que se pode conseguir na América, por mais imperfeita e manipulada que seja nossa democracia, a menos que se torne possível conquistar um grande número de eleitores que não apoiam uma agenda econômica pró-bilionários.

É uma simplificação, mas penso que é fundamentalmente verdade, dizer que a direita dos EUA ganhou muitas eleições, apesar de uma agenda econômica inerentemente impopular, apelando à intolerância - racismo, homofobia e, hoje em dia, contra os "woke". No entanto, há um risco nessa estratégia: plutocratas que imaginam que as forças da intolerância estão a trabalhar para eles podem acordar e descobrir que o contrário está acontecendo.

O que nos remete a outras histórias que mencionei.

Durante algum tempo, DeSantis pareceu estar crescendo na corrida pela indicação presidencial republicana em 2024. Grande parte da sua aparente ascensão refletiu o apoio de grandes doadores do Partido Republicano, que o viam como uma alternativa mais sã a Donald Trump —alguém que serviria aos seus interesses financeiros e ao mesmo tempo atrairia apoio da classe trabalhadora com o seu conservadorismo social e disposição de promover teorias da conspiração.

Mas alguns desses doadores estão desistindo agora, porque parece cada vez mais que a intolerância e as teorias de conspiração de DeSantis não eram um espetáculo político –ele realmente acredita em tudo isso. E o dinheiro grande estava à procura de um charlatão, não de um verdadeiro fanático

Entre as forças que empurram a candidatura DeSantis está a Fox News de Rupert Murdoch. A Fox foi fundada essencialmente para levar a cabo a estratégia da direita de promover a política plutocrática, ao mesmo tempo em que conquistava os brancos da classe trabalhadora com teorias de intolerância e de conspiração. Mas emails e textos descobertos durante o processo de difamação da Dominion Voting Systems mostram que a Fox se tornou prisioneira da audiência que criou. A Fox se viu a apoiar reivindicações sobre uma eleição roubada, apesar de o seu pessoal mesmo saber que eram falsas, porque temia perder participação de mercado entre os espectadores que queriam acreditar na Grande Mentira.

E será que alguém duvida que, se as primárias republicanas seguirem o rumo que parecem estar a seguir, a Fox estará em breve de volta ao canto de Trump?

Assim, a organização de Rupert Murdoch foi efetivamente tomada como refém pelas forças que ele ajudou a conjurar.

Mas a história de Elon Musk é, se alguma coisa, ainda mais triste. Como Kara Swisher observou recentemente na revista Time, ele se tornou "o troll online mais rico do mundo". A loucura que ele ajudou a fomentar não tomou conta de sua organização —tomou conta de sua mente.

Continuo a acreditar que a concentração da riqueza no topo mina a democracia. Mas não é uma simples história de governo plutocrático. É, pelo contrário, uma história em que as tentativas dos mais ricos para obter o que querem desencadearam forças que podem destruir os Estados Unidos tais como os conhecemos. E é aterradora.

Tradução de Paulo Migliacci

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