Pedro Hallal

É epidemiologista, professor da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas e coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil.

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Pedro Hallal
Descrição de chapéu Coronavírus

O tapete vermelho do Ministério da Saúde

Intermediários (leia-se estelionatários) eram recebidos no governo e tratados como se estivessem chegando para a cerimônia do Oscar

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A demora do governo brasileiro em adquirir as vacinas da Pfizer e Coronavac causou 95.500 mortes. Uma das maiores farmacêuticas do mundo (Pfizer) e uma instituição de pesquisa das mais reconhecidas em vacinação do mundo (Butatan) tentavam contato, sem sucesso, com o governo federal, para garantir a vacinação dos brasileiros. Além de serem solenemente ignoradas, ambas eram alvos de ataques por parte do presidente da República.

Sobre a vacina da Pfizer, foi dito que poderia transformar as pessoas em jacaré, que o contrato oferecido possuía cláusulas leoninas, que não era segura. Sobre a vacina do Butatan, foi dito que era a vacina que ninguém queria e o próprio presidente garantiu que não a compraria, mesmo se aprovada pela ANVISA.

Fico imaginando a perplexidade da Pfizer ao ter mais de cem correspondências ignoradas pelo país do mundo que mais precisava de suas vacinas. Fico imaginando o desespero dos brasileiros do Butatan, sabendo que possuíam um produto capaz de salvar milhões de vidas e, mesmo assim, sendo ignorados por questões ideológicas.

Atores são entrevistados no tapete vermelho do Oscar - Mark Terrill - 25.abr.2021/AFP

Essas revelações foram feitas na CPI da Covid, logo nos primeiros depoimentos. Em qualquer país sério do mundo, essas revelações seriam suficientes para punições exemplares, prisões e perdas de cargo.

Mas isso era apenas o começo de uma longa história...

Nas semanas seguintes, foi revelado o real motivo de a Pfizer e o Butatan serem ignorados. Havia duas facções concorrentes no Ministério da Saúde disputando o mercado da corrupção na compra de vacinas.

Essas facções não tinham nenhum interesse pela Pfizer ou pelo Butatan, visto que essas instituições jamais compactuariam com o pagamento de comissionamento (leia-se propina) na compra de vacinas.

Os grandes personagens dessa engrenagem eram os intermediários (leia-se estelionatários) que, mesmo sem carta de representação dos laboratórios, negociavam vacinas com o alto escalão do governo brasileiro.

Esses intermediários eram recebidos no Ministério da Saúde e tratados como se estivessem chegando para a cerimônia do Oscar. Eram recebidos por coronéis ávidos por negociarem vacinas. Os mesmos coronéis que, meses antes, eram contrários à vacinação.

Vendiam vacinas que não existiam, ou que não eram aprovadas na Anvisa, como se fossem terrenos na Lua, e ainda gravavam vídeos ao final, para ficar registrada a falcatrua.

O ex-Ministro da Saúde justificou ter ignorado mais de cem correspondências da Pfizer ao dizer que não cabia a ele negociar vacinas. Fico imaginando: se o Ministro da Saúde de um país com 500 mil mortes não negociava vacinas, o que ele fazia? Mas a verdade era outra: ele negociava vacinas sim, desde que houvesse um intermediário envolvido.

Infelizmente, a CPI entrou em recesso, como se o país não tivesse pressa. Diante de um gigantesco esquema de corrupção em meio à pandemia, não é razoável que esperemos mais três semanas para a retomada dos trabalhos. Nesse período, mais de 20 mil brasileiros perderão a vida para uma doença que já tem vacina.

A célebre frase “Nossa bandeira jamais será vermelha” vai ficando cada vez mais desmoralizada. Primeiro, porque a bandeira ficou vermelha, de sangue, dos mais de 400 mil brasileiros que não teriam morrido não fosse a resposta vexatória do Brasil à pandemia de coronavírus. Assim que as denúncias de corrupção foram se comprovando, foi a cabeça da tropa de choque do governo na CPI que ficou vermelha.

E agora, para fechar com chave de ouro, descobrimos que existia um tapete vermelho para receber estelionatários no Ministério da Saúde.

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