Pedro Hallal

É epidemiologista, professor da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas e coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil.

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Descrição de chapéu Coronavírus

A vacinação dos adolescentes contra a Covid é urgente!

Suspender imunização dessa faixa etária expõe o Ministério da Saúde: mentira ou negacionismo?

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Desde que surgiram as primeiras informações sobre a disponibilização, em tempo recorde, de uma vacina contra Covid-19, eu e outros profissionais fomos questionados sobre vacinas. Invariavelmente dizíamos que a vacina, muito mais do que uma estratégia de proteção individual, era uma estratégia de proteção coletiva. No texto de hoje, vou detalhar as razões que justificam essa afirmação.

Mas para explicar isso é necessário retornar aos princípios mais elementares da saúde coletiva, que são diferentes dos princípios da saúde individual. Na maioria dos cursos da área da saúde (medicina, nutrição, fisioterapia, entre outros), os estudantes são preparados com uma abordagem clínica, individual: ou seja, o que posso fazer para resolver o problema de saúde do meu paciente?

Pessoas treinadas com essa abordagem, quando pensam na vacinação, avaliam os efeitos individuais da vacina aplicada no braço de seus pacientes. Qual a eficácia do imunizante para evitar que a pessoa seja contaminada pelo vírus? A vacina impede casos graves? Qual a chance de alguma pessoa imunizada acabar morrendo?

Enfermeira prepara injeção para aplicar em adolescente de 12 anos, que arregaça a manga da camisa. Logo atrás, um senhor observa o gesto
Vacinação de adolescentes de 12 a 14 anos começou em São Paulo no dia 6 de setembro - Rivaldo Gomes - 6.set.2021/Folhapress

Embora essa lógica tenha o seu valor na prática clínica cotidiana, ela não é a mais adequada para o enfrentamento de uma doença que não afeta uma pessoa de cada vez, mas que, na verdade, está descontrolada (pandêmica), como o coronavírus. Nesses casos, precisamos compreender as estratégias de proteção coletiva.

E poucas estratégias de proteção coletiva são tão efetivas quanto a vacinação. Quanto mais gente imunizada, menos o vírus consegue circular. Quanto menos o vírus circula, menor a quantidade de pessoas que ficam doentes. Em outras palavras, a pessoa vacinada não protege apenas a si própria, mas protege a população inteira.

Profissionais com uma visão clínica, individualista, pensam na vacinação exclusiva ou prioritariamente para pessoas em maior risco de desenvolverem casos graves da doença. Profissionais com uma visão populacional, coletiva, pensam na imunização para todos, para reduzir a circulação do vírus.

Nesse contexto, a suspensão da vacinação contra Covid-19 entre os adolescentes é uma atrocidade. Na ótica da saúde pública, a imunização dos milhões de adolescentes brasileiros ajudará, e muito, a reduzir a circulação do vírus, protegendo a saúde de crianças, adultos, idosos e pessoas com sistema imunológico comprometido. Vacinar os adolescentes não é uma estratégia para proteger somente os adolescentes: vacinar os adolescentes é uma estratégia para proteger a todos.

Nesse contexto, a suspensão da imunização entre os adolescentes brasileiros expõe o Ministério da Saúde: mentira ou negacionismo?

Se a justificativa real para a suspensão é a ausência de vacinas, fica evidente que o ministério mentiu, e mente reiteradamente, ao dizer que o Brasil tem doses de sobra para imunizar toda a sua população.

Se a justificativa oficial é verdadeira, ou seja, o ministério não vê benefícios em vacinar os adolescentes, trata-se de um caso grave de negacionismo, gerado por uma visão clínica, individualista de um problema que é coletivo.

Qualquer que seja a verdadeira razão, o anúncio feito essa semana pelo ministro da Saúde é errado e lamentável. Para piorar, o Brasil ainda teve que aturar o comportamento inadequado, debochado e negacionista do ministro da Saúde na coletiva de imprensa realizada pela manhã e na live com o presidente realizada à noite. Um ministro que, pela manhã, gera pânico em pais e mães ao comentar irresponsavelmente sobre a segurança das vacinas para adolescentes e, à noite, ouve calado a um deboche preconceituoso do presidente sobre uma vacina amplamente usada no país não está à altura de ocupar o cargo mais elevado na estrutura de saúde do país.

Aguardamos ansiosamente que o ministro volte a ser mais médico e menos político, e anuncie logo a retomada da vacinação entre adolescentes. As famílias brasileiras esperam por esse anúncio e por um pedido de desculpas, sr. ministro.

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