Pedro Diniz

Jornalista com formação em comunicação audiovisual pela Universidade de Salamanca (Espanha).

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Descrição de chapéu

Ironia barata e falta de semancol definem equívocos em série da moda

Camisetas com mensagens que ferem identidades, grupos e gêneros viram tendência

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Não são mais raras, no Brasil e fora dele, as provas da falta de bom senso de parcela dos fashionistas e das marcas de moda. Viraram tendência recente, por exemplo, camisetas cujo teor imagético fere identidades, grupos e gêneros em mensagens estampadas sem revisão ou autocrítica. A mais recente, uma peça da grife paulista AMP com o logo da extinta Febem-SP, só corrobora a tese de que falta uma colher de semancol na mistura da tinta usada pelas etiquetas.

Lançada sob o pretexto de recuperar uniformes emblemáticos, e por conseguinte poder virar adereço de Carnaval, a camiseta foi recolhida após internautas relembrarem o histórico de torturas sofridas por adolescentes na instituição, fatos que ninguém da grife parece ter conhecimento mesmo com as recentes penas aplicadas aos acusados.

A ferramenta de protesto vinculada à história das camisetas, fenômeno detonado pelos atores Marlon Brando e James Dean, respectivamente, nos filmes "Uma Rua Chamada Pecado" (1951), de Elia Kazan, e "Juventude Transviada" (1955), de Nicholas Ray, descamba hoje na ironia barata, no preconceito de seus criadores e, também, no senso estético limitado dos donos das etiquetas.

Exemplo notório dessa equação é o empresário Sérgio K., que diferentemente da diretoria da AMP, cuja nota de esclarecimento sobre a camiseta assume o erro e pede desculpas, não poupou na serigrafia em sua cruzada de deboche aos homossexuais grupo que tem o Brasil como o país mais violento das Américas, com cerca de 342 mortes registradas em 2016.

O estilista lançou, entre 2013 e 2014, camisetas com os dizeres, em inglês, Acredite, Christian Grey é gay, referência ao personagem do livro "Cinquenta Tons de Cinza", C. Ronaldo é gay e Maradona Maricón, ambas de uma coleção para a Copa 2014.

A única camiseta que se diz arrependido de ter feito foi A Culpa Não é Minha, Eu Votei no Aécio, vendida a R$ 99 em fevereiro de 2015, logo após as primeiras denúncias contra a então presidente Dilma Rousseff. A peça virou chacota após a revelação de conversa entre o senador e o empresário Joesley Batista, em maio de 2017, na qual o parlamentar pede R$ 2 milhões ao dono da JBS.

Arrependimento que o apresentador Luciano Huck disse sentir ao ver sua marca UseHuck lançar uma camiseta com o escrito "Vem ni mi que tô facin" (sic). Seria bem-humorada não fosse o fato de que a peça foi vendida em grade infantil com direito a uma criança vestida na foto do site.

Automaticamente recolhida, o apresentador se desligou da marca naquele ano. Neste, quando se aventa a possibilidade de ele ser candidato à Presidência no pleito de outubro, a loja virtual, mantida em parceria com a grife carioca Reserva, não está mais no ar.

No comunicado de desculpas, o CEO do grupo Reserva, Rony Meisler, disse que é comum em e-commerce que as artes das estampas sejam aplicadas posteriormente sobre as fotos dos modelos com camiseta branca, e que por erro nosso, todas as artes de Carnaval (inclusive e infelizmente, esta arte) foram aplicadas sobre a coleção infantil e disponibilizadas no site sem a devida revisão.

Falta de revisão e senso de humor enviesado definem também uma camiseta das lojas Pernambucanas, vendida em 2014 e rapidamente recolhida de todas as lojas, na qual se simula um jogo de forca, com um desenho tosco de uma garota enforcada. Embaixo, a palavra namorada sem as letras "m" e "r". Um ano antes, segundo pesquisa da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, 13 mulheres por dia foram assassinadas no Brasil.

A deficiência de semancol não é exclusiva do país. Em 2014, a Zara teve de tirar de circulação uma camiseta listrada azul e branca com uma estrela dourada no peito, óbvia referência ao uniforme dos judeus presos em campos de concentração na Segunda Guerra.

Com falta de bom senso similar, o que ganhou nome na internet de roupa de holocausto, a varejista americana Urban Outfitters lançou, em 2016, uma camiseta listrada com um triângulo invertido rosa, uniforme dos homossexuais presos nos campos nazistas.

RACISMO VELADO

Falta de espelho também virou problema de pessoas físicas da moda, que assim como as jurídicas desafiam olhos e ouvidos da audiência.

No último baile da revista Vogue, na quinta-feira (1º), a youtuber Tata Estaniecki resolveu homenagear os escravos brasileiros, como escreveu em sua conta no Twitter, indo à festa com uma máscara similar à Máscara de Flandres, objeto de tortura que impedia a alimentação.

A garota se desculpou em sua conta no Instagram, mas apagou o post. Hoje, voltou à mesma rede social para postar um vídeo em que diz que o comentário sobre a homenagem foi escrito errado e interpretado de maneira errada e que queria exaltar a luta, não ofender ninguém.

Exaltar os negros também teria sido a intenção da blogueira russa Miroslava Duma, que na última semana de alta costura de Paris postou um bilhete enviado pela estilista Ulyana Sergeenko, também russa, no qual se lê to my niggas in Paris (para minha niggas em Paris), que faz referência a uma música do rapper Kanye  West.

Niggas é uma expressão pejorativa usada por brancos para reprimir negros nos Estados Unidos, tem origem na palavra nigger e não é aceita pelos negros se for dita por brancos, cor das duas russas envolvidas na polêmica. Proporcionalmente, a palavra seria similar ao peso de mulata, que deriva de mula e por muito tempo foi usada como adjetivo da mulher negra no Brasil.

Nenhuma desculpa virtual foi suficiente. Ulyana agora enfrenta o deboche da alta casta fashion e Miroslava, até pouco tempo uma das mais bem-sucedidas do mercado de blogueiras, foi demitida da própria marca que fundou, a The Thot.

Ajudou na expulsão um vídeo de 2012, divulgado logo após o imbróglio do bilhete, em que ela aparece criticando modelos transexuais e garotos com roupas de mulher. Honestamente, não gosto disso, disse, porque em algum lugar, na TV ou em uma revista, um menino pode ver isso e não entender da maneira correta. Acho que um tipo de censura e cultura refinada é preciso aqui.

A ode à censura levantada por Miroslava Duma e a camiseta da AMP com o nome Febem são diferentes em conteúdo, mas ambos revelam que o público, os consumidores e a patrulha virtual, mesmo a parcela odiosa, não esperam redenção, mas a verdade que só um escrito bobo impresso em tecido ou papel pode revelar sobre alguém.

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