Pedro Diniz

Jornalista com formação em comunicação audiovisual pela Universidade de Salamanca (Espanha).

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Pedro Diniz
Descrição de chapéu Moda

'Garoto Zumbi' foi vítima do discurso mentiroso de inclusão na moda

Estrela de clipe de Lady Gaga, modelo foi esquecido pela moda e sofria problemas psicológicos

Na primeira vez que a reportagem da Folha encontrou com o modelo Rick Genest ele havia estourado na moda poucos meses antes, em 2011, na esteira do sucesso de “Born This Way”, de Lady Gaga. Durante uma prova de roupa para o desfile da grife Ausländer, no extinto Fashion Rio, o modelo, então com 26 anos, ria do sucesso meteórico e de como se sentia “incluído” no meio do entretenimento.

Enquanto os olhares da equipe ao redor tentavam disfarçar o choque com sua imagem tatuada, ele dava de ombros. “De verdade, não ligo para os outros. Tenho vários amigos tatuados com quem ando”, disse, rindo do fato de muitos não o olharem nos olhos.

Um dia depois, antes do desfile que encerraria aquela temporada, seu corpo desenhado como um cadáver estava à mostra e o rosto, impassível, assumiu o personagem Zombie Boy, para quem nada parecia divertido e a passarela era um ambiente inóspito.

Zombie Boy e Rick Genest eram duas pessoas diferentes, uma produzida para as câmeras e a outra para enfrentar o mundo real. Ambas, no entanto, morreram na última quarta-feira (1º) enganadas pela possibilidade de ascender no mundo de aparências da moda, que troca as máscaras da beleza a cada seis meses jogando no lixo as outras vendidas na temporada anterior.

 

Ainda não está confirmado se o modelo, de apenas 32 anos, realmente cometeu suicídio ou caiu acidentalmente da janela de seu apartamento em Montreal, no Canadá. Independentemente do que ocorreu, Genest vinha sofrendo problemas psicológicos enquanto Zombie Boy virava lembrança empoeirada nos catálogos de marcas como Thierry Mugler e L’Oreal, para as quais modelou.

Tentou uma carreira na música, participou de shows de TV, mas sua imagem marcante não cabia mais na ânsia por novidades típica dessa indústria.

O garoto que lavava carros e chegou a dormir na rua por falta de dinheiro foi descoberto no início de um revival do visual tatuado na moda que perdurou até meados de 2015. Além dele, outra estrela da primeira metade desta década era o californiano Jimmy Q., que chegou a vir ao Brasil lançar uma linha de cuecas. Assim como Zombie Boy, foi enterrado pelo vaivém da moda.

Pessoas diferentes do padrão jovem de cabelo liso, rosto simétrico e pele de pêssego, são tratados como cotistas nos desfiles. Vez ou outra saltam notícias de que uma mulher com mais de 60 anos é rosto de uma campanha “x”, ou que uma transexual é estrela de um desfile “y”, mas, curiosamente, as escolhas nunca se repetem no ano seguinte.

Três anos atrás a primeira modelo com síndrome de Down, Madeline Stuart, explodia como sensação da moda. Ao mesmo tempo, Melanie Gaydos, portadora de displasia ectodérmica, uma condição que impede o crescimento de unhas, ossos e cartilagens, ganhava a pecha de “promessa”.

Passada a euforia, nenhuma das duas manteve contratos e não há referências de modelos em atividade na costura de alto padrão com suas características. O ativismo das revistas, marcas e sites especializados não durou nem um ano.

A verdade é que elas, assim como Rick Genest, viraram embalagens descartáveis no marketing mentiroso da inclusão vendido por uma parcela, essa sim zumbi, do mercado de moda.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.