Pedro Diniz

Jornalista com formação em comunicação audiovisual pela Universidade de Salamanca (Espanha).

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A escolha de Donatella

Vista com ressalvas, venda da Versace fará EUA entrar no xadrez dos supergrupos de moda

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Jonathan Akeroyd, presidente da Versace (esq.), Donatella Versace e John D. Idol (dir.), presidente da Michel Kors - Divulgação/Associated Press
Paris

Pouco antes de morrer, Gianni Versace (1946-1997) vivia o dilema entre ceder ou não a uma proposta polpuda de investidores americanos com vontade de comprar seu império familiar, cuja estética hipersexualizada vivia um auge de popularidade. Quando ele foi assassinado, Donatella, a irmã que servia como alterego feminino do estilista, foi posta à força nessa encruzilhada.

Só 20 anos depois de dizer não aos financistas e globalizar, com a ajuda do outro irmão, Santo, o sobrenome da família, ela disse sim aos americanos. Só que aos da Michael Kors Holding, do estilista homônimo, que agora virou Capri Holdings na compra mais surpreendente da indústria fashion nesta década.

Ninguém foi pego de surpresa pelos mais de R$ 6 bilhões pagos pela marca ou pela transação em si, porque ela era aventada desde o ano passado, mas sim pela origem americana do grupo. O que está na boca dos editores de moda nesta semana de Paris é o futuro de um símbolo da costura italiana, cujos reconhecíveis bordados, itens de couro e vestidos de festa são puro “made in Italy”.

Pode parecer detalhe, mas esse selo traduz a artesanalidade e o cuidado no acabamento que fazem a etiqueta estampar valores exorbitantes, bem acima da média das grifes americanas que, ao terceirizar parte da produção na Ásia e comprar as peças para compor suas coleções no mesmo continente, conseguem baratear o valor final.

As primeiras declarações de Donatella à imprensa italiana amaciaram os céticos que viram a compra como uma traição. Mais empregos para uma Itália em crise e a promessa de transformar a grife numa potência ainda maior foram promessas dirigidas aos conterrâneos.

Tanto para a Itália quanto para a França, moda é assunto seríssimo, uma questão de orgulho nacional. Por isso, as marcas familiares da Itália que se aventuraram no terreno pantanoso dos conglomerados de moda ou abriram seus próprios grupos –como o Prada, de Miuccia Prada e seu marido Patrizio Bertelli, e o OTB, do fundador da Diesel Renzo Rosso– ou partiram para os vizinhos franceses –caso da Fendi, parte do LVMH, e Gucci, do Kering.

O motivo pelo qual a maioria delas preferiu não cruzar o Atlântico é simples. Os Estados Unidos nunca souberam criar um grupo suficientemente forte em criatividade para concorrer com os franceses. Giorgio Armani, por exemplo, já disse à Folha que nunca venderia sua grife porque “os empresários italianos que estão indo bem nunca tentaram construir grupos”, estão concentrados em “desenvolver os próprios negócios”.

Um dos elementos-chave para consolidar um grupo, há um consenso no mercado, é não tentar uniformizar o estilo de suas etiquetas, desconectá-las o máximo possível e nunca, nunca exigir resultados iguais para cada uma delas.

O LVMH, mais rico de todos os conglomerados, tem equipes separadas para Louis Vuitton, Christian Dior, Kenzo, Céline e todas as outras marcas das quais é dona. Nenhum desfile é parecido, nenhuma tendência é uniforme e nem o número de butiques é igual.

Um dos feitos de Bernard Arnault foi ter conseguido criar uma estrutura sólida e não cair na tentação de, por exemplo, querer que a Givenchy vendesse tanto quanto a Louis Vuitton, ou a Kenzo fosse espelho do estilo da Céline.

Quando uma das planilhas de vendas cai, a mentalidade do empresário afobado de moda é tentar barganhar um mesmo fornecedor para todas as marcas, unir equipes criativas, marketing e tudo o que alavanca as vendas. Uma atitude, aliás, cada vez mais recorrente nos combalidos grupos de moda brasileiros.

Essa é a principal preocupação dos italianos com a venda da grife, mesmo Donatella seguindo à frente da direção criativa da marca e, na negociação, ter conseguido mudar o nome da holding para afastar qualquer comparação com a locomotiva do luxo americano Michael Kors. Capri, vale lembrar, é o nome de uma ilha italiana do golfo de Nápoles.

Quem sairá ganhando em todo os cenários, claro, são os Estados Unidos. O país pode, enfim, se orgulhar de ter entrado no xadrez dos supergrupos e, quem sabe, conseguir tirar a pecha de centro da moda comercial, cujo cinquentão Marc Jacobs é a última referência de tesoura explosiva e sua principal semana de moda ainda vive no circuito de desfiles porque um septuagenário Ralph Lauren, um gênio das vendas como Michael Kors e o belga hype Raf Simons, da Calvin Klein, ainda resistem em estar ali.

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