Pedro Diniz

Jornalista com formação em comunicação audiovisual pela Universidade de Salamanca (Espanha).

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Descrição de chapéu Moda

Michelle Obama faz 'diplomacia fashion' com botada de glitter em Putin

Ex-primeira dama usa Balenciaga dias depois de estilista relembrar guerra russo-georgiana

A ex-primeira-dama americana Michelle Obama usa botas e vestido Balenciaga em entrevista à atriz Sarah Jessica Parker, em Nova York Frank Franklin II/AP

A alfinetada que a próxima primeira-dama Michelle Bolsonaro deu nos detratores de seu marido, ao se deixar ser fotografada com uma camiseta na qual se lê “se começar nesse tom comigo a gente vai ter problema”, referência ao fora dado pela juíza Gabriela Hardt no ex-presidente Lula, soou como sinal de que o país pode ganhar uma Melania Trump para chamar de sua.

Adepta desse tipo de roupa com mensagens nem tão ocultas assim, a primeira-dama americana parece inspirar a brasileira, que, até agora, é vendida pela família Bolsonaro como arquétipo da “mulher de bem”. Mas foi uma outra Michelle, a Obama, que encerrou este ano corrosivo ensinando como fazer “diplomacia fashion” de verdade –o termo é usado na moda para identificar o uso do guarda-roupa como ferramenta de expressão política.

Numa entrevista à atriz Sarah Jessica Parker, em Nova York, na quinta-feira (20), a ex-primeira dama americana mobilizou a internet nos Estados Unidos ao aparecer com um par de botas de cano alto, a “over the knee”, forrado com brilho e combinado a um vestido da grife Balenciaga.

Embora o pretexto do encontro numa arena de eventos do Brooklyn tenha sido o de divulgar a autobiografia “Minha História”, na qual ela narra os meandros de sua trajetória, os holofotes iluminaram o acessório ofuscante e a memória dos tempos em que a indústria dos EUA tinha o corpo de Michelle para divulgar seus estilistas.

Ninguém se deu conta, porém, que a botada glamorosa de glitter acertou bem no meio da política armamentista do presidente russo Vladimir Putin, exatamente no ano em que se completaram dez anos da guerra russo-georgiana.

Explica-se. Uma semana antes do encontro de Michelle com Parker, o estilista da Balenciaga, o georgiano Demna Gvasalia, publicou no Instagram uma foto da cerca de arame farpado que divide os territórios russo e georgiano. O estilista já disse em entrevistas ter tido a juventude devastada pelo conflito, que destruiu sua casa e as memórias da família.

Post do estilista georgiano Demna Gvasalia, das grifes Vetements e Balenciaga, que relembra a guerra russo-georgiana de 2008
Post do estilista georgiano Demna Gvasalia, das grifes Vetements e Balenciaga, que relembra a guerra russo-georgiana de 2008 - Reprodução

Por se tratar de Michelle Obama o fato não deve ser lido como coincidência. Mesmo após deixar a Casa Branca, a ex-primeira dama continuou a usar a moda como folha em branco para suas ideias. Um dia antes de calçar as botas politizadas, ela foi ao programa de Jimmy Fallon com um conjunto da grife Pyer Moss, conhecida por coleções críticas ao racismo na sociedade americana.

Pesa ainda o fato de que a modelo mais política do EUA quase nunca usa roupas desenhadas por estilistas estrangeiros, com exceção das vezes em que homenageou países em visitas oficiais trajando grifes daquele lugar.

“Sabia que minhas roupas falavam algo”, explicou Obama na conversa com a atriz. “Então, por que não usar essa plataforma para ajudar jovens designers que normalmente não receberiam esse tipo de atenção? Porque você pode mudar suas vidas. Essa é uma das razões pelas quais escolhemos Jason Wu para o meu vestido inaugural.”

Ela citava o imigrante taiwanês radicado nos EUA, Jason Wu, que depois de ver sua roupa transmitida para o todo o país na posse de Barack Obama, em 2009, tornou-se um dos designers mais festejados da nova geração da moda americana e ganhou um cargo de chefia na Hugo Boss.

Talvez seja esperar demais de Michelle, a brasileira, essa mão estendida aos estilistas brasileiros, até porque, historicamente, nossos chefes de estado nunca se entenderam muito bem com os designers de moda autoral do próprio país. Mas seria de bom tom que, pelo menos, nenhum humor jocoso escrito em fonte “comic sans” saltasse da TV.

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