Não foram as roupas o mote da última temporada de desfiles no país. Nem a passarela, nem o padrão de beleza das modelos. O fim do formato de apresentações deu o tom de eventos recentes no mundo da moda —de Belo Horizonte, no Minas Trend, a Fortaleza, que comemorou os 20 anos de seu Dragão Fashion neste mês. O desfile, como o conhecemos, deixará de existir.
Mesmo a São Paulo Fashion Week, reduto engessado no formato de servir apenas como plataforma de lançamentos do mercado, mostrou que não deve mais restringir o espaço ao vaivém de looks.
Apresentações musicais e interações com universidades e instituições artísticas devem criar uma espécie de festival de cultura, se der certo o plano da dona do evento, a IMM Participações.
Propósito é a palavra da vez para definir a relevância de uma marca. A partir do momento em que as redes sociais colocaram no mesmo plano a grife reconhecida e a iniciante, os motivos que levam ao lançamento de uma coleção passaram a valer mais do que a coleção em si.
Roupas que carregam histórias, métodos de confecção baseados em herança têxtil e atitudes sustentáveis, só para citar três movimentos recentes da indústria, ganharam o poder de definir o sucesso da divulgação daquela ideia em formato de roupas.
O discurso, provou-se em Fortaleza, está vivo na moda. No meio da praia de Iracema, o Dragão Fashion montou uma estrutura de 27 mil m² que era aberta a público. As filas gigantescas que se formaram da areia ao calçadão mostraram o interesse das pessoas em participar.
A programação de palestras, shows, gastronomia, feira de design e, no meio de tudo, desfiles, incluiu a moda dentro de um pacote completo de cultura. A roupa era a espinha daquele encontro, mas não definia tudo o que foi visto ali.
Novos nomes da costura ainda justificam a passarela. Ex-Água de Coco, a estilista Gisela Franck mostrou todas as formas de usar a organza de seda em belas propostas tingidas com tons de areia e trabalhadas com flores desidratadas.
Outro cearense, David Lee, que na última temporada internacional se tornou o único brasileiro a integrar a mostra de talentos da Sommerset House, em Londres, reimaginou os códigos da moda masculina injetando tricô, flores, xadrez e viés utilitário ao guarda-roupa urbano.
Importada do Rio de Janeiro, a ESC, do estilista André Lucian, é uma das boas surpresas da moda praia nacional que desfilou no Dragão. Ele faz parte da leva de designers que imagina a roupa de banho para além da areia, conservando elementos da costura praiana em conjuntos para o asfalto.
Seu desfile aconteceu numa passarela montada na área externa do evento, que aproveitou o pôr-do-sol para fazer o público colocar os pés na areia. Diretor do evento, Cláudio Silveira garante que a próxima edição ocupará um espaço ainda maior da praia.
Ocupar espaços, ele sabe, será o mantra das próximas temporadas do Brasil. Tanto as federações de indústrias quanto os empresários por trás dos eventos parecem ter atinado para o fato de que não basta mais organizar roupas em fileira para um público restrito de convidados.
A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais já prepara a expansão do Minas Trend, que não deverá mais resumir suas atividades ao Expominas, ganhando outros pontos de Belo Horizonte com a proposta de atrair um público paralelo ao de compradores de sua feira de negócios.
As mudanças partem do pressuposto de que a moda não pode mais se enclausurar em bolhas numa época em que as janelas foram abertas pela internet.
Percebeu-se que não adianta falar em incluir e democratizar, para citar os verbos da moda nesta primeira década do século, sem se preocupar com ser de fato, e não apenas parecer.
Em tempo, despeço-me da coluna após cinco anos nessa mesma tentativa de aproximar a moda da vida real. Muito obrigado pelos comentários, pelas críticas e pela audiência inestimáveis. Até logo.
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