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A natureza matemática precisa da história

Ensino da disciplina funciona melhor quando valoriza vivência de alunos

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Por Nina da Hora

Nesta semana, estava arrumando o meu quarto e me deparei com um caderno que não uso há sete anos. A última vez que toquei nele eu estava no segundo ano do ensino médio. Era um caderno de anotações de tudo que me incomodava no ensino de matérias das quais eu gostava muito, mas ficava entediada com a forma como eram apresentadas.

Uma dessas matérias era a matemática. Uma das soluções que encontrei na época e que usava muito no meu estudo pessoal foi o uso da etnomatemática. Engraçado encontrar sete anos depois este caderno e ainda ter um pouco do mesmo sentimento em relação ao ensino da matemática.

Mas o que é etnomatemática? O conceito surgiu na década de 1970, com base em críticas acerca do ensino tradicional da matemática. Analisando as práticas matemáticas em diferentes contextos culturais, entende-se também como um conceito interdisciplinar que engloba as ciências da cognição, da epistemologia, da história e da sociologia.

Segundo o matemático e professor emérito da Unicamp Ubiratan D’Ambrósio, a etnomatemática “tem seu comportamento alimentado pela aquisição de conhecimento, de fazer(es) e saber(es) que lhes permitam sobreviver e transcender, através de maneiras, de modos, de técnicas, de artes (techné) de explicar, de conhecer, de entender de lidar com, de conviver com (mátema) a realidade natural e sociocultural (etno) na qual se está inserido".

A partir deste conceito torna-se o ensino da matemática amplo culturalmente e ao mesmo tempo com estratégias específicas, como a geometria ensinada pelos índios, a matemática financeira feita nos transportes públicos. Fica muito mais criativo e prazeroso colocar os conteúdos matemáticos em formatos culturais, acessíveis e que dialoguem com a sociedade como um todo. Isso é reconhecer a cultura plural que estamos inseridos.

Normalmente no ensino tradicional essa disciplina é colocada como explicação final para ela mesma. A matemática usa zeros e uns —mas não é somente zeros e uns.

Uma das formas que vêm ganhando notoriedade com base na etnomatemática são os jogos africanos. Um exemplo é o jogo de tabuleiro shisima, que envolve o alinhamento de três peças e é jogado pelas crianças da parte ocidental do Quênia.

Na língua tiriki, a palavra "shisima" quer dizer “extensão de água”. Eles chamam as peças de imbalavali, ou pulgas-d’água. O jogo se assemelha ao jogo da velha na estratégias —mas nele tenta-se impedir que o adversário alinhe suas peças em uma das diagonais do tabuleiro octogonal (oito lados). É um jogo que envolve estratégia, raciocínio e antecipação. Na matemática, é trabalhada também a construção do tabuleiro, em que é possível explorar conceitos da geometria (raio, diâmetro, círculos, circunferências…), frações, medidas, ângulos e principalmente o desenvolvimento do raciocínio lógico.

Tabuleiro de shisima, jogo tradicional queniano - Divulgação

Há diversos estudos que apontam contradições entre o ensino desta disciplina e o sucesso no desempenho de adultos em situações de vida cotidiana que envolvem habilidades, como compras para casa —relacionar termos matemáticos como dúzias de ovos, meio quilo de carne a resultados corretos durante a compra.

Para reflexão, alunos de escolas públicas ou de lugares afastados do centro têm a educação como instrumento de conscientização política. Saem do papel do oprimido pelo sistema, imposto longe da sua realidade, para o de um jovem ou adulto que pode ajudar a pensar melhorias nas linguagens de ensino. Um dos problemas do ensino é tentar ser universal na linguagem quando vivemos diversos contextos culturais diferentes em uma mesma sociedade. Como podemos adequar a linguagem de acordo com estes contextos?

Entre 2000 e 2003 foi realizada uma pesquisa pela professora da UFF (Universidade Federal Fluminense) Maria Cecilia de Castello Branco que tem como título A construção de saberes matemáticos entre jovens e adultos do morro de São Carlos. Nela, a professora destacou em três grandes categorias a pesquisa exploratória: "Relações quantitativas e espaciais na comunidade, os conhecimentos matemáticos na vida cotidiana e a matemática escolar e a matemática do dia a dia".

Se repararmos, são categorias que trazem conceitos importantes da matemática, mas relacionados a exemplos reais e principalmente colocando em primeiro lugar o conhecimento prévio de jovens e adultos do morro do São Carlos.

Agora imagine que eles estudem de acordo com a sua rotina e seu dia a dia, reconhecendo em objetos da sua casa e em problemas do cotidiano a importância da matemática. O suporte que ela pode vir a representar para a resolução de problemas —e, além disso, passando isso à frente. Um exemplo prático do instrumento de conscientização da política.

Como podemos explorar e utilizar mais a etnomatemática para auxiliar no ensino da matemática nas escolas? Precisamos humanizar as ciências exatas, precisamos entender que a natureza matemática precisa da história, da sociologia, da filosofia. Há uma troca entre essas áreas que ajuda e ajudará na construção da sociedade capaz de resolver problemas, relacionando os conhecimentos acadêmicos/escolares com os conhecimentos de vida.

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