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Nosso amanhã não está à venda

Efeito da pandemia do coronavírus sobre povos indígenas pode ser devastador

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Por Erisvan Guajajara e Renata Tupinambá

São 520 anos de luta e resistência indígena em defesa de direitos e, atualmente, enfrentamos mais uma guerra. Nossos povos estão em situação de vulnerabilidade com o risco de a Covid-19 causar outro genocídio e dizimar nossa população. A epidemia causada pelo novo coronavírus está ganhando ainda mais proporção e se multiplicando nos territórios indígenas.

Ao todo, já são oito óbitos confirmados entre os povos indígenas. A Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), entretanto, só contabilizou cinco. É necessário e urgente que os órgãos responsáveis possam garantir um atendimento igualitário para todos —somos indígenas em qualquer local que ocupamos.

Erisvan Guajajara, da aldeia Lagoa Quieta, Terra Indígena Araribóia (MA), um dos fundadores da Mídia Índia
Erisvan Guajajara, da aldeia Lagoa Quieta, Terra Indígena Araribóia (MA), um dos fundadores da Mídia Índia - Arquivo pessoal

Alguns de nós são indígenas aldeados —os que vivem em contexto urbano—, a maioria por ir em busca de estudos. Outros são os indígenas que vivem em isolamento voluntário, aqueles que não têm contato nenhum com outros povos e são os que correm um grande risco de ser infectado pelo novo coronavírus. O risco de contágio nessas comunidades isoladas é decorrente do aumento de madeireiros, grileiros, caçadores e garimpeiros que se multiplicaram nas terras indígenas e trazem o perigo do vírus até nossos familiares.

O Amazonas é o estado brasileiro com maior número de casos de indígenas que testaram positivo para Covid-19 e que morreram devido à doença, até o momento. São 29 casos confirmados na região Norte. Em todo o Brasil, segundo o governo federal, já são 31 indígenas que testaram positivo para o novo coronavírus e 26 indígenas com suspeitas.

Para combater o vírus, lideranças indígenas estão realizando campanhas de arrecadação online para ajudar a levar remédios e alimentos às aldeias. Este é o momento de ter um olhar direcionado aos povos indígenas —o efeito para nós pode ser devastador. Precisamos ser fortes, e com a força das nossas ancestralidade vamos vencer mais essa guerra.

Uma das principais fontes de recurso econômico para os indígenas é a venda de artesanato. Muitas famílias sobrevivem assim, além dos que trabalham também nas cidades em diferentes profissões ou são universitários. Alguns estão impedidos de retornar para suas aldeias em certas localidades e outros fecharam estradas que atravessam seus territórios por medo de contaminação da população. Medidas estão sendo tomadas pelos próprios povos para proteger suas comunidades, já que não existe uma garantia de ajuda, e o apoio do governo é apenas um paliativo para a situação. Em um momento grave como este, existem ainda a desconfiança e denúncias do desvio de verbas.

Os mais velhos alertam que certas coisas não são negociáveis, como o nosso direito ao bem-viver em nossos territórios ancestrais, do nosso modo, dentro da nossa autonomia. Estamos interligados nesse bioma pleno de oxigênio, mas nos deparamos com uma sociedade dita civilizada que divide predatoriamente pessoas por classes sociais. Nessa divisão, alguns recebem assistência e outros são esquecidos à própria sorte, apesar de sabermos que todos poderiam ser tratados com dignidade. Os povos que são apontados como "atrasados" —povos originários e comunidades tradicionais— são invisíveis para os que movimentam a grande máquina econômica, que apenas existe por explorar o suor e recursos naturais dos que são feitos de invisíveis.

Uma grande perda recente, vítima do descaso, foi a do indígena Aldevan Baniwa, no dia 18 de abril. Ele era escritor e agente da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM) e foi vítima da Covid-19. Aldevan tinha denunciado no dia 14 de abril a falta de testes e proteção para profissionais que estão na linha de frente da sua região. Uma prova de que indígenas vão precisar se proteger por si mesmos.

Pela primeira vez na história do Brasil, vemos o maior número de indígenas isolados em aldeias e casas. A maioria dos chefes de governo parece utilizar discursos para confundir suas populações, não vemos fibra moral para guiar o povo brasileiro neste momento pandêmico. Sistemas de saúde precários, canibalizados, sucateados, possuem heróis como paramédicos, enfermeiros, cientistas e médicos, que colocam diariamente a própria vida em risco. É preciso apoiar de todas as formas esses profissionais na linha de frente do tratamento. Brasileiros precisam entender que nosso amanhã não está à venda, como alertou o pensador indígena Ailton Krenak.

O saber milenar dos mais velhos e o conhecimento profundo de medicinas da floresta mantêm nossos povos em pé. Apesar de ser um vírus novo, temos enfrentado todo esse tempo epidemias e variados tipos de ameaças. Nossa única proteção é continuar cuidando uns dos outros e as bases de apoio colaborativas. Fazemos mutirões pela defesa da vida, usamos nossas próprias mãos para proteger os nossos, cada um dentro de sua função e ensinamos que apenas na coletividade mostrada pelas comunidades é possível viver.


Erisvan Guajajara é da aldeia Lagoa Quieta, Terra Indígena Araribóia, no Maranhão. Um dos fundadores da "Mídia Índia", atua no fortalecimento da comunicação como ferramenta de luta na visibilidade dos povos indígenas. Informações em @itaynwa.

Renata Tupinambá é cofundadora da Rádio Yandê (@radioyande) e apresentadora do podcast Originárias (@aratykyra).

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