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Descrição de chapéu Coronavírus

O impacto do coronavírus na periferia de Salvador

Cenário de solidariedade, tendência na pandemia, sempre existiu em territórios afastados do centro

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Por Luciene da Silva Santana e Monique Evelle

No último dia 29 de março, a cidade de Salvador completou 471 anos. Primeira capital do Brasil, reconhecida pela Unesco como cidade da música, a capital baiana é lembrada pela alegria de suas festas, com multidões ocupando as ruas, marcada pelo seu tempero e musicalidade. Mas vivenciou um aniversário diferente.

Com o avanço do novo coronavírus, causador da Covid-19, a prefeitura e o governo da Bahia decretaram situação de emergência e têm executado medidas de isolamento social como forma de prevenção à transmissão do vírus.

O mundo está assustado com a pandemia, e Salvador registra, no dia do seu aniversário, a primeira morte em decorrência da infecção pelo vírus. A capital, que lidera o número de casos no estado da Bahia, se vê diante do desafio de preparar o sistema público de saúde e refrear o contágio da população.

Segundo o secretário estadual de Saúde Fábio Vilas-Boas, a incidência por enquanto é maior em bairros de classe média e classe média alta, sendo preocupante o avanço do contágio nas periferias. Um grupo de pesquisa da UFBA (Universidade Federal da Bahia) chamado GeoCombate Covid19 BA fez o cruzamento de dados entre mobilidade das pessoas dos bairros periféricos em direção aos bairros de classe média e média alta através do transporte público, o IDH, índice de vulnerabilidade social, de densidade de ocupação/família e da falta de saneamento básico. Com isso, conseguiu destacar os bairros periféricos mais vulneráveis ao contágios do coronavírus. Entre eles, estão Nova Constituinte, Pirajá, Santa Cruz e Sussuarana.

Movimentos sociais e a sociedade civil têm pressionado os governos e solicitado medidas que alcancem as populações periféricas mais vulneráveis, os trabalhadores informais, a população em situação de rua e a população carcerária —em Salvador majoritariamente negras.

O Observatório Prisional Baiano publicou uma nota com reivindicações acerca das medidas de prevenção e tratamento às pessoas em situação de cárcere. Ressalta a necessidade de “soltura de presos e presas provisórias, adoção de penas alternativas à prisão, regimes domiciliares e revisão imediata de processos em execução para antecipação de progressão de regime, admissões de habeas corpus coletivos e individuais para maiores de 60 anos, portadores de doenças agudas e crônicas, mães de crianças e adolescentes, gestantes, lactantes ou acusadas de crimes sem violência ou grave ameaça”.

Uma parceria entre o Instituto Odara, a Organização Corpo Político e a Revista Afirmativa criou o projeto Falas Pretas contra o Coronavirus, que busca dialogar com a população negra sobre os impactos da Covid-19, com a troca de experiências por vídeos compartilhados em redes sociais.

Na periferia do nordeste de Amaralina, a própria comunidade se organizou para construir um banco de dados para viabilizar o atendimento de pessoas em maior risco de infecção do coronavírus. O programa Corra pro Abraço está arrecadando itens de higiene pessoal para a população em situação de rua. O projeto Tarja Verde está fazendo financiamento coletivo para apoiar 436 famílias de catadores e catadoras de material reciclável, membros de cooperativas que estão paradas. A Renfa/Bahia (Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas) organizou campanha para receber doações de dinheiro, alimentos e material de limpeza, para atender mulheres periféricas, em situações de rua e moradoras de ocupações na cidade.

Governo do estado e prefeitura da capital atuam alinhados na defesa do isolamento social como política de contenção do coronavírus e têm anunciado medidas que vão do aumento de leitos de UTI em unidades de saúde a distribuição de cestas básicas e interdição de praias. Entre outras medidas, foram proibidas atividades sonoras em Salvador, como o uso de carros de som, visando coibir a realização de "paredões" (festas nas periferias com grandes aparelhos de som automotivos) —evitando, assim, aglomeração de pessoas.

Além disso, há exemplos de engajamento e auto-organização da população periférica para garantir desde a limpeza de ruas à divulgação de informações sobre o vírus, o contágio e a proteção para a população idosa. Muitos deles contam com a ajuda de vizinhos, amigos, organizações e movimentos que têm doado kits de higiene e cestas básicas, já que grande parte da renda dessas famílias está comprometida pela estagnação da economia. Apesar da solidariedade inerente a essas comunidades, serão cada vez mais necessárias políticas públicas eficazes para manutenção da renda e proteção da população.

Assim, vale destacar que o cenário de solidariedade, cooperação e reciprocidade, considerado tendência durante a pandemia, sempre existiu em territórios afastados do centro. Talvez o momento que estamos vivendo hoje evidencie para sociedade brasileira que precisamos enxergar e ouvir as maiorias silenciadas historicamente para construir um modelo de sociedade inclusiva.


Luciene da Silva Santana, cientista social, é mestranda do Pós-Afro (Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos)/UFBA. É pesquisadora da Iniciativa Negra e da Rede de Observatórios da Segurança Pública e integra o Conselho Estadual de Proteção aos Direitos Humanos na Bahia.

Monique Evelle, autora de "Empreendedorismo Feminino: Olhar Estratégico sem Romantismo", é idealizadora da Desabafo Social e sócia da Sharp, hub de inteligência cultural. Esteve na lista de "30 under 30" da revista Forbes em 2017.

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