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Necessidade de fechamento por coronavírus evidenciou que a escola não é uma ilha

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Por Fabiana da Silva, Jota Marques e Wesley Teixeira

A escola não é uma ilha, isolada do contexto em que está inserida. A n ecessidade do fechamento desse espaço, durante a pandemia da Covid-19, reforçou essa ideia. É vazio fazer a defesa do ensino a distância, neste momento, sem considerar as condições econômicas e sociais que rodeiam a escola.

Quando nos concentramos na realidade dos alunos das camadas mais vulneráveis da sociedade é que encontramos o problema: estudantes sem acesso à internet e nem equipamentos que permitam a eles a entrada e a efetivação do acesso à educação. O discurso do uso da tecnologia dentro da realidade do "não ter" (celular, acesso à internet, computador) é uma das maiores violências que esse processo vem promovendo na vida desses alunos.

A falta de preparo dos profissionais da educação no uso das ferramentas tecnológicas também é um ponto nessa discussão. O professor foi formado para utilizar equipamentos em uma sala de aula, junto a práticas pedagógicas construídas sob táticas do cotidiano e nas adaptações do currículo formal das unidades de educação. Esses docentes não são blogueiros dando dicas de educação. São profissionais com formações técnicas. Ademais, é importante salientar que o sistema de educação a distância é contrário justamente ao fortalecimento do vínculo educador-educando, fundamental para o processo de ensino-aprendizagem.

Defender a escola pública presencial é defender o direito de crianças e jovens periféricos ascenderem socialmente. Nos últimos 30 anos, muitas mulheres negras e pobres no Brasil encontravam na educação uma oportunidade de ascensão social, e por isso trabalharam duramente para oferecer o estudo formal aos filhos e filhas.

Nós, autores e autora deste texto, somos fruto desse esforço de mulheres que entenderam a importância do chão da escola enquanto espaço de transformação social. A educação é a ponte que separa o saco preto e a invisibilidade. A escola, nos moldes que conhecemos, tem falhas e está em constante transformação muito por conta da falta de investimento nos profissionais que atuam dentro dela, mas não é acabando com ela que vamos ver as mudanças que buscamos fazer.

A importância da universidade e da pesquisa

“Outro longo e mortal jogo começou. O principal choque da primeira metade do século 21 não será entre religiões ou civilizações. Será entre a democracia liberal e o capitalismo neoliberal, entre o governo das finanças e o governo do povo, entre o humanismo e o niilismo." O trecho é do artigo “O fim da era do humanismo”, de Achille Mbembe, também autor de "Necropolítica".

Foi a partir da tendência de seguir o capitalismo ultraneoliberal, comandada por uma ultradireita, que a tecnologia foi utilizada para propagar fake news e ódio racial e de gênero. O crescimento nada sutil dessa prática, desde de 2016, ocorreu quando o mercado financeiro assumiu totalmente o controle da agenda do Poder Executivo e Legislativo. Esse grupo impôs o congelamento do que era visto como um "gasto" nas áreas sociais (em saúde, educação e assistência) através da emenda constitucional 95. Tirou direitos que protegem os trabalhadores e desmontou a estrutura da seguridade social com a reforma da Previdência, aprovada no ano passado.

Entretanto, a crise do coronavírus chegou para enfraquecer o discurso, de um dia para outro, daqueles que afirmavam que essas medidas de congelamento eram necessárias para o crescimento da economia. Esses atores sentiram o impacto de uma sociedade desprotegida, com lideranças despreparadas que continuam a reafirmar o dogma da economia, mesmo diante da morte. É natural que aqueles que só pensavam em armas e eram defensores da morte não queiram e nem consigam combater um vírus invisível.

É nesse momento que fica explícita a contradição daqueles que chamaram as universidades de balbúrdia. Cortaram uma parte considerável de um orçamento que já vivia sufocado havia anos e perseguiram ideologicamente os editais de fomento à pesquisa. A resposta das ruas, ainda em 2019, foi o “tsunami da educação”, que deixou nítido: quem se mete com a educação compra briga com aluno, professor, tia, primo, avô. Compra briga com o povo.

Em meio à pandemia, é a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) que desenvolve um protótipo de ventilador pulmonar mecânico, de baixo custo, para ser reproduzido em massa. Assim como foi a UFBA (Universidade Federal da Bahia), em conjunto com a Fiocruz, que criou um canal de informação, “Tele Coronavirus”, para ajudar a divulgar informações e tirar dúvidas da população.

É nítido o valor de projetos universitários que buscam baratear materiais de proteção e higiene nesse momento de pandemia. Além de mostrar o papel fundamental de tantos pesquisadores e pesquisadoras pelo Brasil que buscam alternativas para conter o vírus, apesar de muitos deles terem tido as bolsas de pesquisas cortadas no último ano.

Covid-19 nas favelas

Nós atuamos em projetos sociais ligados à educação popular que já estavam nesta defesa, tanto na participação de grandes atos, quando no diálogo com o território. No momento de crise da Covid-19, nossa atuação não seria diferente. Buscamos responder coletivamente às necessidades das favelas e cobrar ao poder público que faça o mesmo. Com a suspensão das nossas atividades presenciais, nos fortalecemos em rede para pensar nos territórios vulneráveis onde atuamos, que neste momento enfrentam sérios problemas por conta da suspensão de serviços.

Hoje, sabemos que, para além de ofertamos atividades educativas, culturais e esportivas, nós precisamos canalizar nossas energias para ajudar nossos alunos e seus familiares com algo mais essencial em tempos de pandemia: comida e acesso à informação. Orientações precisas sobre a necessidade do cuidado em uma realidade em que encontramos moradias precárias, falta de saneamento básico e água tratada é o que diferencia a vida e a morte. Enquanto atuantes na transformação social de territórios em vulnerabilidade social, estamos envolvidos na luta por garantias de direitos básicos.

As favelas têm mais coisas em comum além da violência. Exemplo disto é a atuação de grupos como a Coletivo Marginal, que atua na Cidade de Deus há dois anos, e promove ações de educação popular, comunicação comunitária e política. A iniciativa é pensada e feita por jovens periféricos e tem como missão promover uma alternativa de educação pública, crítica e criativa, para o desenvolvimento sustentável de territórios populares na cidade do Rio de Janeiro. O trabalho é realizado a partir dos eixos da educação popular, do direito à cidade e da comunicação comunitária.

A missão do “Escola dentro da Escola”, por exemplo, é propor uma ocupação crítica e criativa de espaços formais da educação pública, a fim de fortalecer as relações entre os alunos, as famílias, o corpo docente, o equipamento público, o território e o conhecimento do direito à cidade.

Além da Marginal, que realiza ações de apoio humanitário na Cidade de Deus durante a crise do Covid-19, o Movimento de Educação Popular +Nos, que existe há seis anos no Rio de Janeiro, também promove ações de apoio e logística para que a ajuda chegue aos territórios favelados. Por conta da pandemia, as atividades nas 17 unidades do Pré-Vestibular Popular, como as turmas de teatro, o reforço escolar e o Curso + Nós na Defensoria, foram suspensas.

Na favela do Parque das Missões, a Associação Apadrinhe Um Sorriso faz, há 11 anos, um trabalho de educação popular que tem no seu escopo a transformação social por meio da educação, cultura e esporte. Entendemos que o nosso trabalho transforma o território, que enxerga, nas nossas ações, uma fonte de esperança. Por causa do Apadrinhe um Sorriso, hoje o Parque das Missões saiu do mapa da invisibilidade. Somos mais favela, pois a educação, cultura e esporte mostrou que a violência só acontece quando o Estado, em vez de garantir direitos, os tira.

Caso tenham gostado deste texto e desejem conhecer mais os autores, eles estarão trocando ideia com o público às 17h desta quinta-feira (9/4), no Instagram do @PerifaConnection comentando sobre esse assunto.


Fabiana da Silva é pedagoga formada pela UERJ. Mulher negra e favelada, ela é idealizadora e coordenadora da ONG Apadrinhe um Sorriso, além de atuar como assessora da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

Jota Marques é educador popular, conselheiro tutelar de Jacarepaguá e morador da Cidade de Deus. Nascido no interior do Paraná, atuou em diversos estados do Brasil, com experiência em instituições de base comunitária, sistemas socioeducativos e movimentos sociais. Na Cidade de Deus, fundou e coordena a Marginal, uma escola de educação popular, comunicação comunitária e política.

Wesley Teixeira é morador da Mangueirinha, na Baixada Fluminense, e articulador do Movimenta Caxias. Foi coordenador da União dos Estudantes de Duque de Caxias e atualmente coordena o Movimento de Educação Popular +Nós. É militante do coletivo RUA e do Movimento Negro Unificado, além de colaborar com a Voz da Baixada.

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