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Pós-pandemia depende da construção de um projeto de país alternativo

Precisamos de secretários, ministros e cargos de liderança que tenham a cara da população negra e periférica

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Por Joyce Trindade, Rithyele Dantas, João Pedro Martins e Diogo Lima

No pós-pandemia, um dos maiores erros será aderir ao discurso de que o Brasil estava melhorando, algo como “se não fosse a pandemia, o país estaria ótimo”.

A ilusão de que o Brasil estava “reencontrando seu caminho” —fala que era defendida por alguns veículos de imprensa na pré-pandemia— era só isso mesmo: ilusão. Na verdade, são justamente as condições prévias de desigualdade que tornam esta crise ainda mais dramática. As orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde), seguidas pela maioria dos governos estaduais, esbarram nas dificuldades cotidianas vividas pelas populações periféricas. As condições estruturais de desigualdade se aprofundam durante a crise e não haverá uma saída concreta sem enfrentá-las.

A desigualdade de renda aumentou. A publicação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) de 2018 mostrou que, apesar da leve mudança no quadro de pessoas empregadas, a diminuição dos índices de desemprego está ligada ao aumento da informalidade. São pessoas que trabalham em regimes instáveis, desprotegidas.

Segundo relatório do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2019, a renda dos mais pobres continua em queda, enquanto a renda dos mais ricos aumenta. Uma pesquisa realizada pela Casa Fluminense, a partir dos dados do Censo 2010 e do Índice de Progresso Social 2018, revela que mais de 350 mil domicílios do estado do Rio de Janeiro têm mais de três pessoas em um único quarto. Já em relação à situação precária do saneamento básico no Brasil, pontua-se que cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e que quase 100 milhões não são contemplados com coleta de esgoto, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS) 2017.

Diante dessas reflexões e dados apresentados, diferente do que está sendo defendido por muitos políticos e gestores públicos da atualidade, é importante frisarmos que as discussões econômicas e sociais não podem ser dissociadas. A retomada da economia, sem dúvida, será importante. Mas ainda mais importante é questionar: a quem servirá, desta (mais uma) vez, afinal, a economia do Brasil.

As nossas ações, agora, serão decisivas também pros próximos anos, caso o questionamento acima afete a nossa capacidade de enfrentar a pandemia e a intensidade de seu impacto nas periferias. Isso é ainda mais incontestável quando pensamos na educação, em seu papel emancipador e no efeito positivo que a escola pública pode ter para a valorização das potências de crianças e jovens pobres.

Porém, diante da postura negacionista adotada pelo Ministro da Educação, Abraham Weintraub, é possível acompanhar o fosso de desigualdade se ampliar dia após dia no ambiente educacional. Enquanto grande parte da rede privada pode utilizar todo tipo ferramentas para garantir que a aprendizagem de estudantes de classe média e alta não seja interrompida, a rede pública, estadual e municipal, tem enfrentado o desafio de assegurar a equidade e alternativas de ensino remoto —e obtido graus variados de êxito– diante de estudantes e famílias com realidadedes tão diversas.

Diferentemente do que tem sido difundido pelas propagandas do governo federal, o adiamento do Enem é uma medida fundamental para garantia dos direitos de estudantes. Se há algo que impacta o futuro de toda uma geração, é um ano letivo sem a garantia de aprendizagem.

Para mudar a realidade, não é necessário nenhuma mágica, apenas alternativas profundas: precisamos ocupar a política e as estruturas da administração pública. No caso brasileiro, é evidente que os cargos eletivos do Executivo (prefeitos, governadores e presidente) e Legislativo (vereadores, deputados estaduais e federais, senadores) não refletem a composição populacional no que diz respeito a raça, gênero e classe. Exemplo disso é que negros representam 54% da população no país, segundo dados do IBGE, mas são apenas 27% do total de eleitos para os Legislativos estaduais e federal em 2018, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Entendemos que quem tem a “caneta na mão” deve priorizar o combate às desigualdades ao promover condições dignas de existência. Como colocar a periferia e a população negra na “ordem do dia”, com as condições que temos atualmente?

Precisamos de mais secretários, ministros e outros cargos de liderança que tenham a “cara do Brasil”, especialmente da população negra e periférica. A partir de estudos do Ipea, observamos que negros representam 47,4% dos profissionais públicos. Um número significativo, mas que não encontra a mesma representatividade quando olhamos para os cargos mais altos e de lideranças. Ou seja, os espaços de tomada de decisão, que disputam as estruturas do Estado, permanecem sendo chefiados por pessoas brancas.

A saída da pandemia vai ser resultado de como lidamos com as questões que estavam colocadas anteriormente. No dia 13 de maio de 2020 —após 132 anos de abolição da escravatura— é nítido que as estruturas desiguais persistem em nosso país e se aprofundam diante da pandemia.

É necessário compreender o passado para enfrentar o presente e construirmos caminhos futuros, um futuro que ainda está em gestação, mas que urgentemente precisa de espaço para vir ao mundo. Cabe a nós, coletivamente, organizarmos a construção de um projeto de país alternativo, que, voltado para o bem-estar das maiorias, será necessariamente antirracista, inclusivo e com a redução das desigualdades no seu centro.


Joyce Trindade, 23, é da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. É graduada em gestão pública pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e é cofundadora e diretora do Projeto Manivela. Joyce também atua como analista de redes na República.org e como articuladora no movimento Mulheres Negras Decidem, além de colaborar no PerifaConnection e ser cofundadora do Expresso 2222 Podcast.

Rithyele Dantas, 23, é da zona norte da cidade do Rio de Janeiro. É graduanda em jornalismo e integra o Coletivo Massa - Comunicação de Causas, além de ser apresentadora do Poeira Pura Podcast. É analista de comunicação e conteúdo da Republica.org. e cofundadora do Expresso 2222 Podcast.

João Pedro Martins, 24, é de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. É bacharel em relações internacionais pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), trainee de gestão pública do Vetor Brasil e atua com políticas públicas educacionais em Sergipe. É cofundador do Expresso 2222 Podcast.

Diogo Lima, 26, é de Itaperuna, no Rio de Janeiro, mas reside em Campos dos Goytacazes, no interior do estado. É graduado em ciências sociais pela UENF (Universidade do Estado do Norte Fluminense) e pós-graduando em gestão pública no Insper. Atua com políticas de desenvolvimento social e econômico para igualdade racial em Campos dos Goytacazes. É cofundador do Expresso 2222 Podcast.

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