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Política, favela e pandemia: e agora?

Como renovar a esperança para que eleitores acreditem que voto pode mudar realidade

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Por Jessica Pires e Mayara Donaria

O período eleitoral na região metropolitana do Rio de Janeiro é sempre carregado de muitos desafios, e em 2020 não será diferente. A pandemia do coronavírus culminou em uma das maiores crises da saúde pública no Brasil, acentuada por uma grave crise política no país. O problema é pior nas favelas e periferias, onde o isolamento social tem sido um enorme desafio devido à falta de políticas públicas específicas para essa realidade.

Esse cenário é agravado pela grande onda de desinformação e ódio causada pelas fake news. O crescimento de territórios dominados pela milícia fortalece, ainda, um sistema antidemocrático. A política guarda soluções para muitos problemas sociais, mas também tem o poder de criar novos. Como renovar a esperança das pessoas para que elas acreditem que o voto pode mudar essa realidade? Talvez este seja o maior desafio de todos.

De acordo com o que tem sido apontado por autoridades médicas de todo o mundo, os países que seguiram as orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde) obtiveram números mais brandos de contaminação e de mortes. Infelizmente, o Brasil não seguiu esse exemplo, e o cenário piora ainda mais nas favelas e periferias. Só na cidade do Rio, já são mais de 2.000 casos confirmados nas favelas, de acordo com o Painel do Jornal Voz das Comunidades, sem levar em conta a grande subnotificação.

Enquanto o presidente segue com um discurso negacionista que o faz ser criticado mundialmente, muitas pessoas precisam deixar suas casas todos os dias para continuar trabalhando. Mesmo com todas essas dificuldades, a esperança vem das lideranças de favelas e periferias, que ganharam grande protagonismo no combate à crise do Covid-19 ao se colocarem na linha de frente nos seus territórios.

A propagação das notícias falsas agrava esse cenário. As fake news são, hoje, um dos maiores desafios a serem enfrentados por jornalistas, cidadãos e candidatas e candidatos preocupados e comprometidos com a verdade. Durante o período eleitoral, essa prática chega rapidamente aos celulares da maioria dos eleitores. As consequências são muitas: a disseminação de incerteza e confusão, o revisionismo histórico, a deturpação da verdade, a propagação de discursos de ódio.

Candidatos têm sido eleitos a partir do benefício dessas práticas, muitas vezes arquitetadas dentro de gabinetes e financiadas por dinheiro público. Um dos maiores desafios eleitorais das candidaturas comprometidas com a verdade será combater as fake news e os discursos de ódio durante suas campanhas digitais, que ganharão peso inédito devido à pandemia e ao isolamento social.

Além disso, uma das faces das desigualdades raciais, de gênero e classe é justamente a falta de representatividade na política. A ausência de transparência dos processos políticos e os mecanismos obtusos de perpetuação de poder tornam as eleições, muitas vezes, um jogo de cartas marcadas.

Quando falamos em disputar uma representatividade territorial, a presença das milícias acaba sendo um importante obstáculo. O número de territórios dominados pela milícia no Rio de Janeiro já é maior do que o de dominados por outros grupos civis armados. Nos últimos anos, esses grupos têm facilmente convertido o poder territorial em eleitoral.

Os problemas decorrentes desse cenário são muitos: campanhas só podem ser realizadas com quem se compromete a garantir retornos financeiros para esses grupos durante o processo eleitoral e depois dele; a presença de milicianos em cargos legislativos e executivos tem sido uma evidência nos últimos tempos; e campanhas que têm discursos contrários aos interesses de milicianos sofrem ameaças e são proibidas de atuarem nesses territórios, ficando limitadas à uma atuação digital e a outras regiões não controladas por eles.

As eleições para a vereança são muito importantes, pois abrem espaço para candidaturas mais acessíveis a grupos historicamente excluídos da política. Deve-se garantir a essas pessoas as condições para competirem igualmente e em segurança, durante e após a campanha, pois são elas os alvos constantes dos discursos de ódio e das redes de notícias falsas. Esse ano, elas enfrentarão, também, as novas regras eleitorais. Com o fim das coligações para cargos proporcionais, haverá uma tendência à redução do número de partidos, e candidatos com poucos votos não serão mais eleitos por conta dos “puxadores de votos” do seu partido.

Um caminho possível para solucionar todos esses desafios é incentivar a política participativa. As desigualdades estruturais da sociedade brasileira e os projetos de poder que se beneficiam delas só podem ser revertidos com a participação popular. Hoje, acredita-se unicamente na política da representação, mesmo quando representantes públicos criam problemas sociais profundos, usam, compram e manipulam o voto para a manutenção desse abismo social e assim perpetuar no poder apenas os mesmos sobrenomes. Não é esse o único caminho.

Por fim, é preciso lembrar que essa eleição acontecerá depois do levante antirracista que tomou as ruas do mundo todo. Além disso, será a primeira eleição para vereadores após a eleição de Marielle Franco, assassinada brutalmente em março de 2018 e que se tornou um símbolo para muitas pessoas negras, pessoas de origem favelada e periférica, mulheres e membros da comunidade LGBTIQIA+. A eleição de Marielle quatro anos atrás provou que é possível que "minorias" ocupem espaços tradicionais de poder. Ela também nos ensinou que só vamos mudar a realidade das desigualdades no Brasil quando tivermos a base da pirâmide da sociedade tomando as decisões: as mulheres negras. Isso reforma e balança todas as estruturas.


Jessica Pires é jornalista e comunicadora popular no Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro. É também integrante do AMaréVê, coletivo de mulheres negras e produtora de conteúdo do Maré de Notícias, da Redes da Maré.

Mayara Donaria é cria da Maré, estudante de relações internacionais, fotógrafa e videomaker. É também integrante do Movimentos - Drogas, Juventude e Favela e da AMaréVê, o coletivo de mulheres negras da Maré. Também é assessora de comunicação e atua no Instituto Marielle Franco.

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