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Racismo e segurança: para além da ponta do iceberg

É essencial observar como raça e racismo são tratados na produção de conhecimento sobre segurança pública

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Pedro Paulo dos Santos da Silva

Bacharel e mestrando em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). É pesquisador do Centro se Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e do LabJaca - Laboratório de dados e narrativas da favela do Jacarezinho.

O racismo possui distintas expressões e a violência por parte do Estado é uma delas. As estatísticas levantadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que 75% das pessoas mortas em “intervenções policiais” entre 2017 e 2018 eram negras, e que entre 2007 e 2017 os homicídios de negros cresceram 33,1%, enquanto os de não negros aumentaram 3,3%.

Como pesquisador preto e favelado que atua na área da violência e segurança pública, sempre foi muito evidente para mim que o racismo é central para compreendermos como a violência do Estado funciona.

Os dados sobre homicídios são apenas a ponta do iceberg quando o assunto é racismo e segurança pública, e os números mostram a conexão entre os dois. Mas há uma outra expressão do racismo, mais sutil mas tão relevante quanto a apresentada pelos dados estatísticos, que espero que fique bem escura no decorrer deste texto.

Quando tratamos dos dados, pesquisadores e pesquisadoras do campo da violência e segurança pública concordariam comigo que o passado colonial-escravocrata do país –e o racismo que surge dele– é importante para diagnosticarmos o porquê de algumas pessoas acordarem com barulho de tiros e disparos de um helicóptero usado na Guerra do Vietnã enquanto outras despertam com o som das ondas do mar.

Por que isso nem sempre aparece em livros, estudos e pesquisas sobre segurança pública? Por que raça e racismo são regularmente relegados a posição secundária em análises? Por posição secundária quero dizer que raça e racismo são colocadas não como centrais no contexto social, ou seja, são um problema, mas não o problema. Existe uma diferença substancial nessa distinção.

A literatura sobre violência e segurança aborda a temática racial de maneiras distintas. Vamos analisar três delas. Para a primeira, o racismo é fundamental e sem enxergá-lo como central não é possível diagnosticar e muito menos oferecer uma solução para o problema. Para a segunda, o racismo é importante, mas não fundamental. Em algum momento teremos que lidar com ele, mas agora temos outras prioridades. E na terceira o racismo não é mencionado, e o problema da segurança pública é simplesmente uma falha no desenho das instituições.

Se uma publicação que tenta encontrar o que há de errado com a segurança pública e trata a questão racial da segunda ou terceira forma, podemos dizer que essa é uma forma sutil de racismo que uma leitura atenta revela.

Essa expressão do racismo nos diz muito sobre como a branquitude funciona. Cida Bento nos ensina sobre o pacto narcísico da branquitude, ou seja, a proteção dada por brancos e brancas a seu próprio privilégio. Para Bento, esse pacto distorce o lugar desses indivíduos na reprodução das desigualdades raciais no Brasil, silenciando que alguém se beneficia do racismo.

O propósito aqui é o de argumentar que precisamos olhar para o racismo na segurança pública para além das estatísticas. E isso não significa que dados não sejam importantes, muito pelo contrário. Mas denunciarmos que as pessoas negras são as que mais morrem é insuficiente.

É essencial observar como raça e racismo são tratados na produção de conhecimento sobre o tema, olhar para além dessa ponta do iceberg. É preciso realizar diagnósticos que tomem o racismo como base para que então possamos romper com os séculos de genocídio ao qual o povo preto está submetido. Só que, para isso, é necessário olhar primeiro para nossas próprias pesquisas e perguntarmos como o racismo está sendo tratado: da primeira, segunda ou terceira forma?

Minha intuição diz que apenas a primeira forma de leitura sobre racismo pode gerar pesquisas, estudos, publicações e livros realmente antirracistas. E o motivo pelo qual o antirracismo é importante na produção de conhecimento é para que ela não contribua para a manutenção do sistema de poder que chamamos de racismo —o que ocorre mesmo que o objetivo seja o contrário.

Em outras palavras, como Bento nos chama atenção, é preciso que o racismo seja reproduzido pelas pessoas para que ele seja mantido e alguém se beneficiar disso.

Você mesmx, talvez.

A quem uma pesquisa sobre letalidade policial que desconsidera a centralidade do racismo beneficia? Qual o lugar da pesquisa sobre violência e segurança pública na luta de séculos por abolição? O que você como pesquisador ou pesquisadora tem feito?

Você conhece pesquisas feitas por intelectuais pretas, faveladas e periféricas? Ou se vem das favelas e periferias não é conhecimento legítimo? Por que Abdias do Nascimento, Lélia Gonzalez, Alberto Guerreiro Ramos, Sueli Carneiro, Ana Flauzina, Silvio Almeida, Juliana Borges, entre outros, não estão presentes em suas referências?

Você está realmente na luta com a gente?

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