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Violência política nas eleições ameaça giro de pautas e protagonistas

Ataques na disputa municipal atingem lideranças em favelas e territórios periféricos

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por Maria Luiza Freire e Douglas Almeida

A violência na política é cada vez mais reconhecida em todo o mundo como uma tática para impedir a participação de determinados grupos nos espaços de tomada de decisão. Nos últimos anos, testemunhamos algumas transformações em direção a uma maior diversidade de pessoas e projetos na disputa política. Em parte, isso foi impulsionado por campanhas locais e globais que demonstram os numerosos benefícios desta diversidade para a democracia e a sociedade em geral.

Apesar do impulsionamento internacional da diversidade como uma expressão positiva da democracia, problemas como falta de recursos, ausência de apoio do partido e questões estruturais de campanha se somam aos desafios e riscos de disputar uma eleição na metrópole do Rio de Janeiro.

Os riscos vão desde atos explícitos de violência, até ataques na mídia e nas redes sociais, coagindo principalmente candidaturas de mulheres, pessoas negras, jovens e LGBTs+ a desistirem da disputa eleitoral. Especialmente no ano de 2020, os ataques digitais tendem a se intensificar pelo uso massivo das redes sociais e plataformas digitais nas campanhas. Essa violência política, manifestada dentro e fora das redes, representa uma ameaça muito séria à democracia, pois se torna fator impeditivo para diferentes pessoas de realizarem suas campanhas políticas ou de cumprir as obrigações de seus cargos.

De acordo com o Observatório da Violência Política e Eleitoral, o Rio de Janeiro é o estado brasileiro com mais casos registrados de violência nas eleições, tendo o homicídio como a forma mais recorrente. Esse ranking é liderado pelos municípios de Seropédica, Nova Iguaçu e Magé. De 2016 a 2019 foram 25 políticos assassinados no estado. Em 2018, Marielle Franco (PSOL) foi brutalmente assassinada na capital. Em 2020, Sandra Silva, conhecida em Magé como Tia Sandra, pré-candidata a vereadora pelo PSB, foi encontrada morta no Rio Roncador no dia 1º de setembro.

São números e casos que, em parte, têm relação com o controle territorial que certos indivíduos e grupos querem estabelecer para a apropriação particular da coisa pública. Essa realidade ameaça lideranças sociais atuantes em favelas e territórios periféricos e que almejam disputar as eleições. Sem a representação destes corpos, sob risco, este cenário é um dos fatores que impede a ampliação e avanço de pautas tão estratégicas para as periferias nas câmaras de vereadores e prefeituras.

A sub-representação de pessoas negras e mulheres é uma realidade na composição das casas legislativas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo o Mapa da Desigualdade 2020, apenas 37% se declaram negros e 7,2% são mulheres. E, entre os 22 municípios, há apenas uma prefeita. Se a capital fluminense tem hoje um recorde de mulheres pré-candidatas à prefeitura, elas também são alvo de ataques virtuais que fragilizam sua permanência nos cargos que buscam disputar e ocupar. Renata Souza, do PSOL, teve sua live de lançamento da pré-candidatura invadida por hackers. Benedita da Silva, do PT, foi vítima de racismo nas redes sociais. De acordo com o Instituto Alziras em sua pesquisa sobre o perfil das prefeitas brasileiras, essas barreiras são enfrentadas por candidatas antes, durante e após as campanhas eleitorais, gerando um ciclo de violência.

Além da violência política, as pré-candidaturas de favela e periferia enfrentam os problemas da insegurança pública cotidiana. Wesley Teixeira (Duque de Caxias), Jota Marques (Rio de Janeiro) e Romário Régis (São Gonçalo) são pré-candidaturas de jovens negros que participaram da Formação Giro 2020, promovida pela Casa Fluminense e Fundação Cidadania Inteligente, e que vêm relatando sofrer ameaças de tiroteio, perseguição policial e intimidação com arma de fogo. Michel Uchiha, militante do movimento LGBTQI+ e pré-candidato a vereador na capital, vem sofrendo ataques virtuais e investigação da própria Marinha por ter feito a pergunta em uma rede social: presidente Jair Bolsonaro, por que sua esposa recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?

Sala cheia, em que jovens negros assistem a uma aula, parte da Formação Giro 2020, promovida pela Casa Fluminense e Fundação Cidadania Inteligente, no Rio de Janeiro
Jovens negros participam da Formação Giro 2020, promovida pela Casa Fluminense e Fundação Cidadania Inteligente, no Rio de Janeiro - Larissa Amorim/Divulgação

Rio de Janeiro, São Gonçalo e Duque de Caxias são os municípios mais populosos do estado do Rio de Janeiro, marcados também pela desigualdade. Por isso, é de suma importância que novos rostos comprometidos com a defesa de pautas prioritárias que ampliem as oportunidades e reduzam as desigualdades nessas cidades disputam a política institucional. A representação política mais igualitária, além de justa, melhora as chances de que os interesses e preocupações da cidadania sejam refletidos nas políticas públicas, promovendo maior participação social e confiança nas instituições públicas.

É fundamental que a barbárie não seja eleita em 2020. A democracia deve ser garantida no pré, durante e no pós-eleições, para que essas vozes e a população possam circular livremente a cidade e pautar a política. Enquanto as câmaras municipais estiverem ocupadas por quem se alimenta politicamente de práticas criminosas, antidemocráticas e não republicanas, a democracia estará ameaçada, assim como os candidatos que a defendem e a população, sobretudo as juventudes negras. Cabe a nós, sociedade civil, as próprias candidaturas e os partidos sinalizar ativamente tais violações em plataformas como o Tretaqui.org, desenvolvidas como espaço seguro de denúncias.

Por tudo isso, propomos um giro nas pautas e nos protagonistas, passa por nós e por você, eleitora ou eleitor.


Maria Luiza Freire é advogada e coordenadora da Fundação Cidadania Inteligente no Brasil; Douglas Almeida é economista, morador de São João de Meriti e coordenador de mobilização da Casa Fluminense.

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