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Nunca será apenas sobre esporte

Inédito momento de posicionamentos em 2020 evidencia mudança no cenário esportivo

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Por Mariana Carlou, Raíza Uzeda e Thuane Nascimento (Thux)

Não é nenhuma novidade dizermos que o mundo é marcado pelo racismo. Entretanto, é evidente que nos dias atuais o assunto está cada vez mais em pauta, o que se reflete em todos os âmbitos de nossa sociedade. No esporte, o novo contexto mundial sobre a luta antirracista perpassa diversas modalidades. Colin Kaepernick e seus joelhos dobrados no futebol americano, a denúncia estampada com a frase “Eu não consigo respirar” dos jogadores da NBA e as camisas de Lewis Hamilton a cada domingo são exemplos de que a postura da “indiferença” já não encontra tanto espaço quanto no passado de atletas de expressividade mundial.

Nós, negros e negras, sabemos o quão difícil e paralisante pode ser o momento em que lidamos cara a cara com o racismo direto: as ofensas diárias, os xingamentos, ofensas por causa da cor da pele e dos signos da negritude. O movimento negro vem trabalhando para que os artistas, atletas e demais personalidades negras que têm visibilidade se manifestem pela erradicação do racismo nos diversos âmbitos que acessamos, mas, como já dizia James Baldwin, ser negro e relativamente consciente é estar quase sempre com raiva.

Isso porque a violência que uma injúria racial provoca no nosso corpo e nosso psicológico é terrível. E denunciar também é terrível. Ainda hoje é terrível (vamos falar sobre a atitude repugnante de Mano Menezes abaixo), e nos tempos passados era ainda pior. Por isso que alguns atletas negros preferiram “engolir sapo” como saída, a fim de que suas carreiras não fossem sabotadas. Não necessitamos ir tão longe: Angelo Assumpção foi demitido do Pinheiros após fazer, à diretoria do clube, uma denúncia de ter sido alvo de ofensas racistas (gravadas pelos próprios colegas).

No entanto, no futebol, recentemente, observamos diferentes reações a atos racistas. No jogo entre o PSG e o Istanbul Basaksehir as equipes deixaram o gramado, encerrando a partida, após uma ofensa racista feita pelo quarto árbitro romeno, Sebastian Colţescu, contra Pierre Webó, camaronês membro da comissão técnica da equipe turca. Assim como Gerson, jogador do Flamengo, denunciou o ato e continuou jogando a partida, tendo um desempenho fundamental para a vitória de sua equipe, apesar do claro nervosismo que expressava, respondendo ao racismo com excelência, apesar da dor. Diversos clubes manifestaram apoio ao atleta, assim como repudiaram a atitude racista com hashtag #RacismoNão.

Também tomou as redes sociais o caso do menino Luiz Eduardo Santiago, de 11 anos, que denunciou aos prantos as ofensas sofridas por parte do treinador da equipe adversária, Lázaro Caiana, numa partida de futebol juvenil em Caldas Novas (GO). Jogadores como Neymar e Gabriel Jesus enviaram vídeos de apoio para o garoto, que também recebeu convites para fazer testes no Vasco, Santos e Fluminense.

E, como se não bastassem as primeiras violências em forma de injúrias raciais, as pessoas que tomam forças para denunciar sofrem uma dupla violência ao enfrentarem quem está de fora e a mídia. Como no caso do Gerson, em que, quando tentou explicar ao Mano Menezes, então técnico do Bahia, que tinha sido racialmente ofendido por Ramírez, ouviu dele a resposta que estava de “malandragem”.

Assim como, em 2018, o jornalista esportivo e apresentador Thiago Leifert, escreveu o texto “Evento esportivo não é lugar de manifestação política”, defendendo que o esporte se resume à prática e não deve se estender a atos políticos. Narrativas de quem não sofre na pele, nem ao menos detém empatia pelo outro, tentando silenciar a voz de quem já é estruturalmente oprimido e está numa situação muito vulnerável quando acaba de sofrer uma violência.

Este inédito momento de posicionamentos em massa no ano de 2020 deixa notória a mudança em todo o cenário esportivo, principalmente no futebol. A influência da luta antirracista no momento social que vivemos escancara a necessidade latente que a Fifa e CBF revejam seus Códigos Disciplinares, para que seja criado um protocolo diante de denúncias de racismo não apenas contra torcedores, mas também atletas, comissão técnica e árbitros, dentro e fora de campo.

A exemplo da atuação que vem tendo a campanha Jogos Sem Racismo, desde 2017, no âmbito dos Jogos Universitários do Rio de Janeiro, em mudar as disposições dos estatutos das competições para um enfrentamento severo ao racismo no esporte universitário. Não bastam cartazes com frases de efeito, são necessárias ações práticas e institucionais de enfrentamento.

Ainda que nem todos concordem que eventos esportivos sejam lugares para manifestação política, as atitudes dos atletas, hoje, tentam demonstrar exatamente o contrário. Nunca será só futebol, assim como nunca será apenas sobre esporte.


Mariana Carlou, 24, é flamenguista, nascida em Coelho Neto e moradora da Freguesia, estudante de Direito da UERJ, fundadora e membro da Campanha Jogos Sem Racismo e integrante do Coletivo Negro Patrice Lumumba.

Raíza Uzeda, 23, é torcedora do Bahia, cria de Salvador e moradora de Del Castilho, é estudante de Direito na UERJ, fundadora e membro da Campanha Jogos Sem Racismo.

Thuane Nascimento (Thux), 23, é flamenguista, cria da Vila Operária, estudante de Direito da UFRJ e membro da Campanha Jogos Sem Racismo e integrante do PerifaConnection.

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