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Existir na resistência sagrada

O genocídio de crianças e jovens negros é estratégia para a não perpetuação e continuidade dos nossos saberes, assemelhando-se com uma higienização étnica

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Adriana Santana

Educadora antirracista da rede pública de ensino de Duque de Caxias (RJ) e Mãe Adriana de Oyá

Transporto-me ao passado para fazer um convite à reflexão, sobre o quanto a cultura ocidental nos distanciou dos valores e princípios civilizatórios dos povos africanos e dos povos originários dessa terra chamada Brasil.

Transporto-me e saio dessa contemporaneidade perversa, imbuída num projeto sangrento de retrocessos, perseguição e mortes. Transporto-me ao passado, mas com os pés firmes na terra que nos dá o sustento necessário para reafirmarmos que nossos passos vêm de longe e é nesse longe que devemos buscar a força necessária para reverter o que está posto como projeto de aniquilação do nosso futuro.

Conecto-me à sabedoria nata e ao DNA ancestral de força, saberes, epistemologias e resistência. Sento-me em roda exaltando a circularidade como valor civilizatório, respeitando a sacralidade dos mais novos e mais novas, aqueles e aquelas que perpetuarão os saberes de nosso povo.

Sento-me em roda com os meus mais velhos e minhas mais velhas —atenta, aprendiz e respeitosa. E com esse respeito à vida e ao direito de viver que me reporto à sociedade brasileira, adoentada, adormecida e colonizada —corpos e mentes.

Anestesiados desde o sequestro, paralisados desde a invasão, atormentados desde os estupros, inferiorizados por sermos quem somos. Encarcerados, mortos e sepultados em cova rasa do esquecimento e abandono sucessivo. Animalizados com crueldade, silenciados com mordaça visível e invisível, subjugados em sua intelectualidade e subalternizados nos múltiplos espaços.

É importante salientar que assumir a existência do racismo estrutural e sistêmico como base primária de manutenção das desigualdades sociais seria de fato o início da real reparação histórica e ressarcimento dos danos sofridos por séculos, mas mantê-lo reforça e ratifica o capitalismo vigente e o projeto de poder cisheteronormativo e branco.

O genocídio de crianças e jovens negros é estratégia para a não perpetuação e continuidade dos nossos saberes, assemelhando-se com uma higienização étnica. Se os mais novos morrem, como teremos gerações futuras do nosso povo? Se os mais novos são exterminados, como nossa história seguirá em frente?

E se tratando de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, em especial, inserindo num país onde o racismo se apresenta de forma estrutural e sistêmica, é possível afirmar que o racismo opera inclusive dentro das instituições de poder.

Não podemos negar que nesse panorama que o atual governo e toda a ideologia fundamentalista neopentecostal estabelecem continuamente um projeto que reforça o apagamento e silenciamento do povo negro e indígena.

E nesse processo de apagamento e silenciamento histórico, epistêmico e cultural, político e social, esta cidade vem vivenciando ao longo dos tempos e mais especificamente no atual governo, o caráter racista da gestão Washington Reis.

Um governante que legitima a teocracia instalada em território nacional e instrumentaliza o avanço do racismo religioso e/ou intolerância religiosa no município. Duque de Caxias vem numa crescente de casos registrados ou não, contra afrorreligiosos e seus espaços sagrados.

Confesso que o sacerdócio tem trazido inúmeras inquietações e nesse sentido permito-me exercer essa liderança civilizatória de forma circular, como princípio da continuidade e do movimento igualitário.

Transporto-me para aprender estratégias, adquirir sabedoria e unir os marginalizados e oprimidos. Como sacerdotisa do Terreiro Gratidão Sereno Manso, estabeleço um diálogo para além dos muros do nosso território sagrado, geograficamente localizado no referido município.

Venho reafirmando e reivindicando esse espaço-território-terreiro-quilombo-periférico, como espaço político e de atuação humanitária. Local de debate, pois nosso ser é político e histórico, portanto, na medida em que resgatamos nossos princípios e valores civilizatórios, nos distanciamos dos valores e princípios ocidentais.

Descolonizando mentes, corpos e seres. Devemos ter coerência em nossas ações, honrando nossos orixás e suas epistemologias.

Como cultuar um ancião preto e uma anciã preta (pretos velhos e pretas velhas) se reforçam o racismo negando a própria história de sequestro, escravização e colonização? Como louvar a ancestralidade indígena (caboclos, caboclos e curumins) e fechar os olhos para os retrocessos ambientais que nos ameaçam cotidianamente?

Como cultuar as pombagiras sendo machista, misógino, violento, lesbofóbico e transfóbico? E uma última reflexão: Como cultuar as crianças espirituais, erês e ibeijadas, fechando os olhos para o genocídio de crianças e jovens negros, indígenas, pobres, favelados e periféricos?

O sagrado está no sinal vendendo paçoca, no terreiro de umbanda ou candomblé, na rua engraxando o sapato, fazendo malabares, dormindo embaixo do teatro Raul Cortez, na escola pública, nos orfanatos, catando latinha, levando tiro de fuzil na comunidade em Duque de Caxias, mas até quando o sagrado invisibilizado irá sobreviver?

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