Era início da noite de mais uma sexta-feira no bairro do Pantanal, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense (RJ), com pessoas chegando do trabalho, crianças brincando na rua e vizinhos conversando no portão. Mas disparos de tiros de fuzil fizeram com que aquele 4 de dezembro de 2020 passasse a ser lembrado como o dia da execução das primas Emily Vitória, 4 anos, e Rebecca Beatriz, 7, no portão de suas casas e de seus familiares.
Com as mortes completando um ano neste sábado (4), fica a pergunta: até quando os culpados pelas mortes de Emily e Rebecca ficarão impunes?
Apesar de ser o primeiro homicídio infantil de repercussão nacional a acontecer depois da aprovação da Lei Ágatha Felix (9.180/21), que prioriza investigações de mortes de crianças, a apuração do caso Emily e Rebecca segue sem novas informações.
A invisibilidade e a impunidade são as principais características durante um ano de investigação. O caso parece ter sido esquecido pela mídia e, principalmente, pelo Estado. Mesmo sendo o principal suspeito de ser o responsável pelas mortes, o poder público continua a não dar uma resposta concreta.
A reprodução simulada ocorreu apenas quatro meses após o duplo homicídio, porém, até hoje, o laudo não foi divulgado. É um ano de dor e de espera.
Dona Lídia, tia da Emily, cobra uma resposta. "É uma revolta porque se fossem crianças da zona sul o caso já estaria resolvido, mas como morreu na comunidade estão deixando para lá."
Apesar de familiares e vizinhos, que testemunharam o crime, serem unânimes em dizer que o tiro partiu da viatura da polícia, nenhum policial foi responsabilizado.
Como se não bastasse, a perícia escolheu uma criança da comunidade para ajudar na reprodução simulada ao perceber que os manequins usados não dariam a visão exata da cena.
Criação de espaço cultural
Em resistência à atrocidade cometida com as meninas, o Movimenta Caxias e o Movimento de Educação Popular +Nós criaram, sete meses após o duplo homicídio, o Espaço Cultural e Educacional Emily e Rebecca. O local fica próximo à rua onde as vítimas moravam.
O espaço atende de segunda a sábado 150 crianças, de 3 a 13 anos, com aulas de complemento escolar, balé e oficinas de tranças e de hip-hop. Todas as atividades são gratuitas e contam com doações e trabalho voluntário.
Contudo, nem para estudar as crianças do Pantanal têm paz, pois a comunidade sofre constantemente com operações policiais que impedem o andamento das aulas.
"No mês passado, durante a aula, a polícia cercou as ruas no entorno do projeto. Entrou atirando na comunidade, e as crianças começaram a gritar que iriam morrer, uma vez que elas já sabem que aqui quando a polícia entra, crianças morrem", diz Carol Bulhões, uma das coordenadoras do espaço.
Em meio a um contexto ameaçador para os moradores, Débora Amorim, diretora educacional do projeto, destaca que "o espaço traz garantia de vida para as crianças da favela".
O Rio de Janeiro parece ser um laboratório de homicídios de crianças por armas de fogo. Segundo dados da ONG Rio de Paz, até o dia da publicação desta coluna, 84 crianças foram mortas por bala perdida nos últimos 14 anos no estado.
A maior parte dessas mortes tem em comum a responsabilidade direta ou indireta do poder público, que em sua política de guerra às drogas tem, como é dito na linguagem policial, "danos colaterais". Em outras palavras, são as mortes das dezenas de crianças que teriam futuros brilhantes.
É cada vez mais óbvio que o Estado tem avançado com o genocídio negro por meio da aniquilação da infância. Acompanhar o caso de Emily e Rebecca é cobrar uma resposta para que o crime não fique impune. É justiça restaurativa! É responsabilidade nossa lutar para que o fim dado ao sonho de Emily e Rebecca não se repita.
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