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A morte lenta dos espaços públicos de participação popular

São diversos os retrocessos no campo democrático vivenciados na gestão Bolsonaro que, pouco a pouco, descaracterizam a proposta de uma democracia participativa

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Zé Vitor

Cria da Ilha de Deus, periferia da cidade de Recife (PE), é graduando em direito pela Universidade Católica de Pernambuco, pesquisador e cofundador do EmpoderaLab

Ano de eleições, 2022 tem sido palco de discussões extremamente relevantes. Apesar da concentração do debate político na escolha dos representantes que irão ocupar os cargos do executivo e legislativo, acredito também que este seja um ótimo momento para discutir as outras formas de exercício da cidadania para além do voto.

De certo, os últimos anos têm redesenhado profundamente a cara da nossa jovem democracia. A intensificação da polarização política, o enraizamento do fundamentalismo religioso e os tensionamentos provocados pelas fake news estão redefinindo as dinâmicas internas e externas da administração pública brasileira.

São diversos os retrocessos no campo democrático vivenciados na gestão Bolsonaro que, pouco a pouco, descaracterizam a proposta de uma democracia participativa posta no texto constitucional de 1988. Um dos exemplos mais escancarados da repulsa à governança participativa foi o revogaço da participação social.

Em abril de 2019, em comemoração a seus cem primeiros dias de mandato, o presidente apresentou um pacote com uma série de medidas, incluindo projetos, revogações e decretos, como o decreto presidencial n° 9.759/2019, um dos maiores ataques à democracia participativa desde a redemocratização.

Essa medida restringiu a criação de órgãos colegiados da administração pública federal e extinguiu, de uma vez, conselhos, comitês, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns, salas e outros colegiados. As exceções ficaram apenas com os que foram criados depois de janeiro de 2019, tudo de forma genérica, causando uma enorme insegurança jurídica.

Além de conselhos importantíssimos dentro da administração pública federal, responsáveis por democratizar o debate público, o decreto 9.759/2019 também revogou com uma canetada a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), que era resultado de anos de incidência da sociedade civil.

De igual modo, este decreto passa um recado negritado aos governos municipais e estaduais de desestímulo à abertura para governança participativa.

Esse nítido ataque à participação popular sob justificativa de desburocratização e economia de gastos públicos foi objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade —ADI 6121— e em decisão liminar o STF decidiu por limitar o decreto, preservando colegiados que foram criados por força de lei.

Os espaços públicos de participação social são a maior oportunidade que a administração pública tem para aprender com quem vivencia diariamente os problemas públicos. Mais do que isso, acredito que quando o povo se senta nas mesas de tomada de decisões ocorre a quebra da lógica epistemicida e colonial, resultando em políticas públicas de fato efetivas, proporcionando a inversão de prioridades, desde a destinação de recursos até o próprio desenho dos programas e políticas.

​Desse modo, a participação popular por meios de canais institucionais é fruto da luta de diversos segmentos da sociedade e surge para transformar o jeito de gerir a coisa pública, adicionando atores historicamente excluídos para também disputar a narrativa do interesse público.

Discutir e deliberar sobre orçamento, controle e monitoramento de políticas públicas e a possibilidade de implementar pautas dificilmente observadas ou até mesmo ignoradas pelo Estado nas agendas políticas das administrações.

Logo, não existe administração pública democrática sem a participação efetiva de todas as camadas da sociedade. É por isso que, neste ano, além de irmos às urnas para votar em legítima defesa da garantia de nossos direitos, elegendo candidatos éticos e responsáveis, precisamos também ocupar e fortalecer esses espaços institucionais que estão em processo de desmonte e fragilização, onde as políticas públicas estão sendo discutidas o ano inteiro.

Neste sentido, o Interesse público é disputa de narrativa daquilo que é prioridade diariamente nos incontáveis colegiados, conselhos, fóruns e comitês espalhados pelo país.

Esses espaços, que ainda resistem à política antidemocrática, precisam ser urgentemente fortalecidos e ocupados pela juventude, população negra, indígena, favelada, PCDs, LGBTQIA+ e todas as outras populações em condição de vulnerabilidade.

Inclusive, precisamos monitorar como a pauta da participação popular se encaixa nas prioridades dos candidatos ao executivo e legislativo nessas eleições.

Por fim, acredito que, além da alternância de poder, neste ano precisamos pautar a sua descentralização para as mãos do povo. Diante do escancarado desmantelamento da participação social e da postura antidemocrática de quem nos governa, nós, enquanto grupos historicamente subalternizados, precisamos ser cada vez mais estratégicos e estar atentos, preparados para se organizar para desorganizar ainda mais as estruturas que se modernizam no silenciamento de nossas vozes. Se não, a gente acaba perdendo o que já conquistou.

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