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Por que minha cor define se serei enquadrado ou não em abordagens policiais?

Pesquisa mostra que 80% dos abordados no Rio e em São Paulo são negros

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Ariel Freitas

Jornalista na Voz das Comunidades e colaborador do PerifaConnection.

Luiz Franco

Bacharel em Ciências e Humanidades, graduando em políticas públicas e colaborador do PerifaConnection

Quando você é uma pessoa negra no Brasil, o simples ritual de sair de casa é acompanhado por algumas orientações e bênçãos dos mais velhos da família, com questionamentos que já se tornaram um tipo de manual de sobrevivência ou um "checklist" de itens para sobreviver ao dia e, principalmente, para garantir o seu retorno.

Ainda hoje, enquanto eu, Ariel Freitas, reviro os bolsos das minhas calças jeans atrás da carteira de identidade e de outros documentos indispensáveis para essa batalha entre mim e uma sociedade que avalia a periculosidade de alguém pelo tom da pele, escuto a voz da Dona Marilene, minha mãe, que me acompanhava até o portão para dizer: "Vai com Deus, filho".

Vivendo no Rio de Janeiro há dois anos, percebo que essa frase cheia de fé dita pela matriarca da família nos tempos em que dividíamos o mesmo teto em Porto Alegre também representa o contexto que um corpo preto enfrenta em cada esquina da cidade maravilhosa.

Policias fazem ronda na favela do Jacarezinho, zona norte do Rio - Tércio Teixeira - 26.jan. 2022/Folhapress

Às vezes, nem a crença em uma força divina nos afasta do triste histórico de segregação racial que ainda vivenciamos rotineiramente, sempre que avistamos o brilho do giroflex e a sensação iminente de que "somos culpados". Mesmo sendo inocente, o que as pontas dos fuzis demonstram é uma outra realidade, na qual ser negro e, muitas vezes, periférico é um marcador sinônimo de perigo ou de culpa.

Segundo os dados do estudo "Por que eu?", que avaliou as abordagens policiais em São Paulo e no Rio de Janeiro, realizado pelo IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) em parceria com o Data Labe, as nossas características afrodescendentes garantem quatro vezes mais chances de ser enquadrado.

Para realizar a pesquisa, as instituições coletaram 1.716 respostas sobre abordagem policial pelo Brasil. Desse total, 1.018 são de São Paulo e do Rio de janeiro --510 no Rio e 508 em São Paulo. Entre os entrevistados, 80% têm o mesmo perfil: negros. Do total, 60,3% são homens, 36,6% mulheres, 2,5% se declaram não-binários e outros representam 0,6%.


Os números são reflexos de uma estrutura que ainda prevalece na suposta estratégia de segurança pública no Brasil. Além da cor da pele, a origem também se relaciona com o nível de hostilidade e de constrangimento nesses procedimentos que, de acordo com as instituições policiais, são procedimentos vistos como normais.

Contudo, o método comum direcionado a um grupo específico é, nada mais, nada menos, racismo no seu estado mais bruto, atormentando a integridade física e moral que, ao se passar para uma ação do Estado, se torna algo que busca uma especificidade mais profunda: a do racismo institucional, no qual o Estado, por meio de suas estruturas de poder e controle, determina quais são os perfis e quais são alvos de suas ações, em sua maioria as de coerção.

O título da pesquisa "Por que eu?" vai ao encontro de um dos questionamentos mais feitos antes, durante e depois de uma abordagem policial por quem passa por esse tipo de situação. Na maioria das vezes, a resposta padrão dos agentes é que "as suas características batem com a do suspeito". Para nós, negros, o peso dessa frase significa que nossa imagem é sinal de ameaça, de não confiança e de outros atributos relacionados ao risco.

Como diz o Emicida, na música "Cê lá Faz Ideia": "Cê sabe o quanto é comum dizer que preto é ladrão antes mesmo da gente saber o que é um". Para boa parte de nós, a primeira vez que escutamos essa sentença é na infância, quando algum colega, professor ou até mesmo um "amigo" nota que algum pertence dele sumiu. Automaticamente, ou melhor, "racistamente'', os olhos são direcionados para a pessoa negra no recinto. Porém, se você questionar o porquê da presunção de culpabilidade, vão inventar mil desculpas para fugir do que realmente são: racistas.

O nome do estudo, porém, poderia ser "Por que nós?". Uma pergunta clara e direta sobre por que a culpa, a sentença e o alvo de operações, mortes e abordagens são, em sua maioria, de pessoas negras. Como Abdias do Nascimento disse em seu livro "O genocídio do negro brasileiro", com lei ou sem lei, a discriminação contra o negro permanece: difusa, mas ativa.


Ou seja, as abordagens são um procedimento do Estado, mas, por se voltarem aos negros, representam uma realidade cruel e dolorida para todos nós em todos os nossos dias. Novamente, parafraseando Emicida na música "Ismália", existe a pele alva e a pele alvo.

A dor, indignação, vergonha e sofrimento são alguns dos sentimentos que surgem. A problemática sistêmica existente nas abordagens transparece no relatório. Ela diagnostica, revela e caracteriza um status quo da política pública, e requer uma mudança urgente e necessária. O Estado, em suas funções mais simples e primordiais, deve garantir a proteção e o respeito a todos, não nos julgando e sentenciando como alvos de suas abordagens.

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