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A luta pela manutenção das cotas raciais no Ceará

Bancas de identificação são mecanismos contra fraudes

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Lilica Santos

Graduanda em Ciências Sociais - UFC, gestora e produtora cultural, integrante do Instituto José Napoleão, Rede de Mulheres Negras-CE e do Fórum de Negres das CS/UFC

Wanessa Brandão

Assistente social e mestra em serviço social pela UECE (Universidade Estadual do Ceará), vice-coordenadora do Nuafro (Laboratório de estudos e pesquisas em afrobrasilidade, gênero e família) da UECE

Paulo Henrique Ferreira

Bacharel interdisciplinar em humanidades (Unilab); graduado em antropologia social (Unilab) e mestrando em antropologia social (PPGAS/UFG), onde trabalha e pesquisa juventudes negras em Fortaleza/CE, diáspora e racismo

No Ceará, o epíteto "terra da luz" esconde uma visão romantizada e camufla o racismo. O estado é celebrado como o primeiro lugar a abolir a escravidão no Brasil. Ao mesmo tempo, esquece-se que o tráfico de pessoas negras do continente africano foi o grande comércio de ganhos de donos de terras. Além disso, tornou-se comum a narrativa racista de que "no Ceará não há negros".

Pesquisa divulgada pelo Ipece (Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará) aponta que, em 2019, 72,5% da população do estado do Ceará declarava-se negra, sendo, aproximadamente, 6,6 milhões de pretos e pardos em um total de cerca de 9,2 milhões de cearenses. Do total, segundo o Ipece, 25,4% eram brancos, 1,4% amarelos, 0,5% indígenas, 5,1% pretos e 67,4% pardos. No estado, há ainda cerca de 76 quilombos no estado, segundo a Comissão Estadual das Comunidades Quilombolas Rurais do Ceará.

Onze pessoas em pé, lado a lado, seguram em frente a uma parede branca com a inscrição: Associação quilombola do Cumbe
Vacinação no Quilombo do Cumbe, no Ceará, atrasou cinco meses para começar após prefeitura local negar identidade da comunidade quilombola - Arquivo pessoal

O professor Hilário Ferreira afirma que, no Ceará, o tráfico interprovincial de ex-escravizados recém-libertos beneficiou as elites brancas de políticos e comerciantes, garantindo-lhes grandes fortunas e privilégios econômicos e mantendo desigualdades. Negros ex-escravizados não conseguiram adquirir patrimônios e bens materiais apesar de toda a mobilização social e estratégias de sobrevivência ao longo dos anos, como a realização de compras de alforrias por meio de festas de negros (os sambas, autos de congo e maracatus).

A despeito de ser o primeiro estado brasileiro a abolir a escravidão, em 1884, somente a partir de 2006 algumas conquistas da população negra possibilitaram a redução das desigualdades raciais no Ceará. Entre elas, a criação da Ceppir (Coordenadoria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial do Ceará), em 2010; a IV Conferência Estadual de Igualdade Racial do Ceará, em 2017; a campanha "Ceará sem Racismo: respeite a minha história, respeite minha diversidade", em 2020, e as leis estaduais 15.953/16, 16.197/17 e 17.432/21, que, respectivamente, cria o Conselho Estadual de Igualdade Racial do Ceará, dispõe sobre o sistema de cotas raciais nas instituições de ensino superior e institui o sistema de cotas raciais dos concursos públicos.

Um marco importante foi a conquista das bancas de heteroidentificação como demanda dos movimentos negros para o monitoramento da implementação das cotas. A etapa fundamental é prevista pela lei de cotas e tem o objetivo de garantir o êxito da política pública por meio da análise dos fenótipos (características observáveis que definem a fisionomia) do candidato autodeclarado negro. Atualmente é regulamentada pelo decreto estadual 34.773/22.

Campanha 'Tira a Mão das Nossas Cotas'

Sabe-se que, no Brasil, o racismo que atua é o de marca, conforme Oracy Nogueira afirmou em seus estudos sobre preconceito de marca e de origem. Pessoas com características fenotípicas negras são o maior alvo de racismo e, por isso, essas são as características aferidas pelas bancas de heteroidentificação. Não necessariamente você sofrerá racismo porque seus avós são negros.

No Ceará, estamos vivendo um momento histórico, com a implementação da política de cotas raciais nos concursos. Causa-nos indignação, além de preocupação com o futuro desta política, a existência de grupos que tentam deslegitimar o trabalho das bancas de heteroidentificação, compostas por pesquisadores e pesquisadoras das relações raciais no Brasil.

Estes grupos querem a modificação da lei 17.432/2021, algo que, caso se viabilize, fragilizará a política e ferirá o real objetivo da lei, que é tornar o serviço público racial e etnicamente mais plural. Essa narrativa desqualifica o trabalho dos especialistas na questão racial, retira a soberania da banca e desvia a política de cotas raciais de sua essência que é a inserção de pessoas negras para elevar a diversidade nos quadros de servidores públicos e de estudantes universitários.

A Campanha #TIRAAMÃODASNOSSASCOTAS surge como ferramenta de combate a casos de fraudes e despolitização da categoria negro. Para os movimentos negros, pardos e pretos fazem parte da população negra, mas a falta de letramento racial dos indeferidos pelas bancas de heteroidentificação pode colocar em risco a lei estadual de cotas raciais dos concursos.

Reafirmamos a importância das bancas na implementação da política de cotas raciais que, com base nos princípios de justiça compensatória, justiça distributiva e promoção do pluralismo racial, aferem a condição da autodeclaração de candidatos como público alvo da referida política pública. Por isso, lutamos pela defesa das cotas nos concursos e nas universidades e a fiscalização contra fraudes. E nós queremos muito mais, queremos de volta o que roubaram de nós! #tiraamaodasnossascotas.

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