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Descrição de chapéu enem

Como tornar as cotas raciais mais eficientes?

O segredo é aplicar um subsídio em vez de impor uma cota quantitativa

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O cenário é uma Nova York dos anos 1970 — vamos chamá-la de “NY inicial” —, na qual os motoristas de táxi eram em sua maioria brancos imigrantes de baixo nível de instrução, com alguma inclinação a preconceitos de cor ou raça. Nesse laboratório sociológico real, um negro tentando pegar um táxi à noite vai esperar mais tempo que um branco. Por quê? A hipótese aqui é que a proporção de assaltantes negros é idêntica à de assaltantes brancos inicialmente, e o negro espera mais por mero preconceito de não tão poucos taxistas – se fossem muito poucos, o tempo de espera adicional seria desprezível. Esperar, obviamente, é um saco, ou como dizem os economistas, é custoso! Para o negro que é assaltante (os há), assim como para o branco que é assaltante (os há), a espera é um osso do ofício. Mas o negro que não é assaltante vai se cansar de esperar até um taxista não preconceituoso aparecer, e pode terminar tomando o rumo do metrô ou optando por uma caminhada. Já o branco, que não espera demais até alguém parar, não abandona a opção do táxi. O motorista não perde, no sentido de ter menor lucro, ao discriminar os negros? Sim, mas se houver muitos brancos para pegar pelas ruas, perde pouco. Estamos simplificando um pouco, mas a historinha teórica é mais ou menos essa.

A que isso leva depois de alguns anos? Lembrem: honestos negros e brancos existem em mesmíssima proporção na NY inicial. Resposta: haverá proporcionalmente menos negros honestos esperando por táxi do que brancos honestos. Apesar das proporções de assaltantes dentro de ambos os grupos étnicos serem exatamente iguais, no subgrupo dos que esperam táxi elas não são! Nesse, vai ter mais negro assaltante do que branco bandido mesmo. Tudo por conta de uma dose de preconceito inicial que fez com que os negros trabalhadores se cansassem de esperar pelo maldito táxi. E a coisa piora, porque agora mesmo um motorista não preconceituoso vai discriminar, ou melhor, discriminar estatisticamente, o seu cliente com base na cor da pele. Repassando a lógica: o estigma inicial gerou um efeito real via seleção adversa. Que doido isso...

E se pusermos “cotas” nessa história? Cotas de 100% no sentido de que na tal “NY inicial” todo motorista de táxi fosse obrigado a parar para um negro que lhe fizesse sinal? Bingo! Os negros do bem não se desencorajariam a pegar táxi, e assim, em equilíbrio, não haveria mais assaltos perpetrados por passageiros negros do que por brancos. Não haveria mais espaço para discriminação estatística. Eureca!

Esse é o lado bom da cota para negros, e no caso dos táxis só há ganhos mesmo. Mas em outras aplicações, os benefícios não vêm de graça. Vejamos as universidades.

A armadilha de expectativas que justifica a cota racial em universidades é: “não há muitas pessoas negras nas universidades; deve haver algum impedimento/preconceito. Sou negra, não vou sequer tentar esse caminho aí; vou por outro”. Disso resulta que seguem poucos os negros e negras nas universidades.

Agora vamos por umas cotas. 50% dos ingressantes precisam ser negros. O que rola? Voltemos para dentro da cachola da nossa aluna de segundo grau. “Há bastante gente negra nas universidades, olha só!; se eu entrar na universidade haverá um monte de gente do meu grupo étnico e os branquinhos já estarão acostumados com nossa presença; não me sentirei um peixe fora d’água; vou estudar para ir para a tal Universidade; vou por aí”.

Porém, cotas geram ineficiências, que podem ser severas a depender do desenho. Se hoje a proporção de negros e mestiços nos bancos escolares é de, digamos, 20%, a nova cota de 50% estará colocando para dentro uma quantidade elevadíssima de gente intelectualmente menos preparada. A qualidade cai quando alunos que teriam passado no vestibular não entram e alunos que seriam reprovados entram. E a meritocracia sai comprometida também. Esses são os custos, e são reais. Para piorar, a boa intenção pode por lenha na fogueira racista.

Mas, embora não se possa fazer uma omelete sem quebrar uns ovos, podemos minimizar a meleira que ovos mal quebrados deixam na pia. O segredo é aplicar um subsídio em vez de impor uma cota quantitativa.

A ideia é que todo mundo, independentemente de cor, gênero, raça e condição social, faça a mesma prova – a única diferença seria cobrar maiores taxas de inscrição de uns e isentar outros da mesma taxa, com base na condição social ou de egresso (escolas públicas vs privadas). Findo o estágio no qual todos são tratados como iguais, inicia-se a fase dos subsídios. Os valores sugeridos na tabela são ilustrativos e talvez um pouco altos; podem ser outros, mas se forem estupidamente altos, a ideia sucumbe, a casca do ovo gruda no chão, no fogão, etc.
 

Tabela sobre Cotas da coluna do Por quê


 
Vejam vocês que o aluno I — provavelmente de renda mais baixa por ser negro e ter estudado numa escola pública — que tira 5 na prova do vestibular tem sua nota elevada para 7,8 e passa na frente do aluno II, que vem de escola privada e provavelmente teve aulas particulares de línguas e piano. Sob as mesmas condições, o desempenho de II provavelmente não seria tão superior, e o fator multiplicativo ajusta para isso. Se esse fator não for muito elevado, nem sequer se afeta o mérito na seleção. Isso fica claro no caso de III. Sua nota inicial é tão baixa, que ainda que fosse negro (além de ser de escola pública), não passaria no vestibular.

Cotas são uma ideia interessante; diríamos que no Brasil aplicar cotas é ainda mais necessário que alhures. Mas o diabo está no desenho. Se você põe muito coração e pouca massa cinzenta nele, o tiro sai pela culatra.

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