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Por quê?
Descrição de chapéu greve dos caminhoneiros

Sozinho, caminhoneiro seria infrator; juntos, são considerados heróis

O estopim da crise pode ser a passagem de ônibus, o preço do combustível, o chá

Protesto dos caminhoneiros na rodovia Régis Bitencourt - Zanone Fraissat/Folhapress

O Brasil anda uma balbúrdia. Cenário de Mad Max, de terra de ninguém, com supermercados desabastecidos e estradas bloqueadas. O que está acontecendo? 

Protestos de larga escala são eventos improváveis. O custo individual de gastar seu tempo lá, tomar uma dose de gás lacrimogênio nas narinas e possivelmente ser preso, é muito alto. E os benefícios são difusos, espalhados. Combinação perfeita para inação; melhor ficar em casa e pegar carona no esforço dos outros. Só que às vezes não... 

O problema dos insurretos potenciais é de coordenação: eu topo virar meu caminhão para bloquear a estrada se muitos outros estiverem no mesmo barco, mas não sou doido de fazer isso sozinho. Sozinho, sou um infrator desordeiro; em conjunto com todos da minha categoria, sou um herói.

E com uma montanha de caminhões travando centenas de passagens nos mais diversos cantos do país, cai a probabilidade de que se a polícia vier a fazer algo, seja eu o pato a rodar. Em suma, expectativas são tudo nesse jogo: se eu achar que você vai parar no meio da estrada, eu também paro. Mas, se eu perceber que você está amedrontado... 

Coordenar as expectativas de muita gente não é moleza, mas com a ajuda dos sindicatos, do WhatsApp e do Facebook fica mais fácil. E quanto maior a coisa fica, mais grupos vão se sentir encorajados a montar uma paralisação “para chamar de sua”. 

O estopim da crise varia: pode ser a passagem de ônibus, o preço do combustível, o chá. Os momentos que se seguem são cruciais e o governo precisa mostrar decisão e firmeza, e sentar para negociar apenas o que faz sentido ser negociado. 

No caso específico, uma alteração na regra de reajuste poderia ser discutida, no sentido de tornar os movimentos de preços ao consumidor mais suaves, menos bruscos do que os serelepes preço do petróleo e do dólar. Como? Por exemplo, calculando o preço de venda da Petrobras com base numa média móvel de preços passados (em vez de no preço do dia) e preços negociados nos mercados futuros. 

Que fique claro: fatores de oferta e demanda que alteram a escassez relativa de um produto qualquer – e não é diferente com a gasolina —precisam chegar aos consumidores. Não defendemos esquema de subsídio qualquer. 

O preço, caro leitor, é o mensageiro, e assassiná-lo não resolve a questão de fundo. A Petrobras não deve subsidiar nossa gasolina e nosso diesel; já fizemos isso e quase quebramos a empresa, que segue embananada em dívidas. 

No esquema mais suave de reajustes proposto acima, haveria momentos nos quais a gasolina estaria sendo subsidiada, pois a média móvel da série de preços anda de maneira lerda atrás do preço spot; mas esses são devidamente compensados pela queda mais suave dos preços internos dos combustíveis quando os externos se reduzem. Em termos matemáticos, a integral debaixo da curva é a mesmíssima. Não se trata de prestidigitação ou reinvenção da roda. Lógica similar se aplica às finanças públicas: não é necessário que o orçamento esteja equilibrado mês a mês, nem sequer ano a ano. Mas déficits hoje precisam ser compensados por superávit amanhã, ainda que amanhã não seja exatamente daqui a 24 horas. 

Mas a discussão se afastou dessa mais razoável. A impressão é que diferentes grupos de interesse perceberam um governo vacilante, e aproveitam a situação para tentar redistribuir recursos da sociedade para seus próprios bolsos por meio de distorções fiscais e outros truques. A lista apresentada pelos grevistas é absurda e inclui reserva de mercado na cara dura, além do tabelamento de preços. O que isso tem que ver com eficiência econômica ou desigualdade de renda? Nada! Como dito antes, expectativas contam muito nesse tipo de situação. E a única maneira de alterá-las é via ação firme do Estado, empregando, se necessário, aquilo que lhe conferimos por via constitucional: o monopólio da força.

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