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Por quê?

Por que não podemos flexibilizar a PEC do Teto?

Brasil precisa de ao menos uma década de regime fiscal pouco flexível

Sessão do Senado Federal para votar PEC do teto dos gastos públicos
Sessão do Senado Federal para votar PEC do teto dos gastos públicos - Alan Marques - 13.dez.2016/Folhapress

Começando pelo fim: o Brasil precisa de ao menos uma década de regime fiscal pouco flexível, que garanta uma redução contundente do endividamento, que cresceu de modo brutal nos últimos cinco anos.
 
Esse lero-lero de que podemos/devemos flexibilizar a PEC do teto é coisa de quem não está atento à dura e fria realidade dos números. Estivéssemos numa situação menos anormal, estaria correta a ideia de que os gastos públicos poderiam seguir uma regra mais flexível do que a atual, que nos garantisse equilíbrio a longo prazo, mas abarcasse maiores possibilidades de flexibilização ao longo da travessia.

O ponto é que a premissa é outríssima: a situação fiscal brasileira não tem nada de normal. Estamos falidos. Não apenas a Belíndia é aqui como a Berlinda está logo ali: nossa dívida está se tornando insustentável, pagável apenas com um calote, seja ele inflacionário ou explícito.
 
Ulisses, o navegador sobrevivente da guerra de Troia, se amarrou ao poste quando avistou ao largo as sereias. Assim fez por um bom motivo: salvar a própria pele e a de seus marujos (esses taparam os ouvidos com cera). Rapaz inflexível? Coisa desagradável essa de umas cordas marcando-lhe os pulsos, impedindo-o de se mexer! Nada disso, rapaz esperto: o canto da sereia –e aparentemente a sereia também— é algo encantador, porém mortal. Como Ulisses, que depois de dez anos de luta (e mais dez voltando) de bobo não tinha nada, decide lidar com esse desafio? Adotando a hoje famosa PEC do Poste.
 
Acha que a comparação é exagerada? Julgue por você mesmo, caro leitor, espiando a posição do Brasil no gráfico de endividamento a seguir. Os dados vêm do World Economic Outlook para 2018, e na amostra temos 141 países não ricos.
 

Por quê?


 
O ponto central da distribuição de projeções para as razões dívida/PIB desse conjunto de países é ali um pouquinho abaixo dos 50%. No popular: estamos muito mal na fita, muito acima da mediana.
 
Bom, mas por que mesmo ter muita dívida é ruim? Em tese, nem sempre é. Tudo depende do que você faz com o dinheiro (como vale na sua casa: você bebe o dinheiro ou faz um curso de inglês com ele?), e se você exagera ou não na quantia emprestada. Tem que olhar caso a caso...
 
Acompanhemos aqui uma rápida prova do pudim: tivesse sido o dinheiro que o governo brasileiro pegou emprestado aos borbotões nos últimos anos bem aplicado para o futuro da nação, teríamos tido a pior sequência de crescimento acumulado em cinco anos já vista em toda a  história do Brasil? 
 

Por quê?


 
Cremos que não. Ponto final? Quase... Você já deve ter ouvido alguns economistas –tem de tudo sendo dito por aí hoje em dia– dizendo: “verdade, a dívida está grande, mas a saída para reduzi-la é simples: o Brasil precisa crescer mais. Crescendo mais, a dívida cairá! E o canal para crescer mais é o governo gastar mais!”.
 
Mais crescimento obviamente ajuda muito, pois tanto a arrecadação como o denominador do nosso indicador de sustentabilidade, que é o PIB, sobem. Mas, claro, o crescimento não vem do céu, não é maná aleatoriamente despejado aos países. Ele depende do que se espera para a trajetória da dívida pública alguns anos à frente.

Caso os empresários, domésticos e internacionais, temam que seu agigantamento continue, eles não vão investir em produzir mais, não vão contratar, não vão dar aumento de salários, etc e etc. Vão jogar na defensiva. Por quê? Ora, porque a história econômica mostra que dívida muito alta e crescente sempre termina –em quase todo lugar do mundo-- em uma das três opções (ou uma combinação delas): (i) inflação elevada, que desorganiza a economia: (ii) calote da dívida, que desorganiza a economia; ou (iii) aumento brutal da taxação, que... você já sabe.
 
Quanto ao “mais gasto para crescer mais”, lembramos apenas que muito recentemente tentamos essa receita mágica –que, curiosamente, não funcionou.
 
A hora, meus amigos, é de seguir a lição dos clássicos, como gostam de dizer os literatos. Amarrar as mãos pode ser –por incrível que pareça-- a melhor maneira de impedir o navio de afundar.

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