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A inflação nos tempos do coronavírus

Pandemia colocou o mundo de cabeça para baixo, mexendo inclusive com o índice de preços

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Muita gente reclama do índice de inflação. Várias vezes essa crítica é baseada em uma experiência pessoal. Como pode, por exemplo, a inflação ser algo como 0,5% em um mês, se as coisas no supermercado subiram tanto? Em geral explico que essa visão é equivocada, pois a inflação incorpora uma série de itens, e não apenas os que compramos no supermercado. Além disso, tendemos a prestar mais atenção em um aumento de preço do que em uma redução –o que dá a falsa impressão de que os preços estão subindo mais na média do que o índice sinaliza.

Todavia, a pandemia colocou o mundo de cabeça para baixo, mexendo inclusive com o índice de inflação. Nessa circunstância única, a crítica acima tem perna.

A inflação ao consumidor busca captar mudanças no custo de vida. É uma média da variação de preços dos mais diversos bens e serviços comprados por consumidores. Mas é uma média ponderada, isto é, os itens não têm o mesmo peso no cômputo do índice. Quanto mais (proporcionalmente) os consumidores gastam de seu orçamento em determinado produto, maior sua importância para o cálculo.

Combustível e alimentos puxaram a inflação em junho, segundo IBGE
Combustível e alimentos puxaram a inflação em junho, segundo IBGE - Gabriel Cabral/Folhapress

Para obter os pesos de cada produto, são realizadas pesquisas para apurar hábitos de consumo junto a uma amostra de famílias. Essas pesquisas, entretanto, não são realizadas o tempo todo. Os pesos e o conjunto de produtos que compõem o índice são obtidos e mantidos constantes, até que uma nova pesquisa seja realizada.

Coletam-se, então, a cada mês, dados dos preços dos itens de consumo, e computa-se o índice de inflação como uma média ponderada dessas variações.

Tudo isso funciona bem se os hábitos de consumo não variam muito. Mas se eles mudam, os pesos podem não mais refletir a composição do orçamento dos consumidores. Assim, o índice de inflação passa a não ser uma boa estimativa da mudança no custo de vida.

A pandemia está fazendo justamente isso. Como resultado das quarentenas, compras de itens de alimentação no domicílio ganharam espaço no orçamento dos consumidores. Por outro lado, gastos com alimentação fora do domicílio (restaurantes, bares etc.), recreação e transporte estão diminuindo muito.

Além disso, artigos de alimentação sofreram aumentos de preços durante a pandemia, ao contrário da maioria dos outros itens do índice. Já para transportes tivemos quedas substanciais, muito em função do derretimento do preço do petróleo.

Em outras palavras, no orçamento dos consumidores, itens que tiveram aumento de preço estão ganhando participação, enquanto itens que registraram reduções estão perdendo espaço. Só que o cálculo do índice não incorpora essas mudanças de hábito. Dessa forma, ele subestima a variação no custo de vida durante a pandemia.

Um artigo acadêmico de Alberto Cavallo dá uma ideia dessa diferença. Nos Estados Unidos, dados de gastos de consumidores em cartões de crédito e débito fornecem uma estimativa da distribuição do consumo em diferentes categorias. Essas informações estão disponíveis em alta frequência, o que permite captar a mudança de hábitos.

O autor usa esses dados para recalcular os pesos do índice ao consumidor dos Estados Unidos, e avalia quanto seria a taxa de inflação com base neles. Por exemplo, a inflação de abril, com os novos pesos, seria de –0,09%. Compare com o índice oficial, em que ela é igual a –0,69%.

Para o Brasil, infelizmente não temos dados de gastos com cartão de crédito e débito, que permitiram realizar um ajuste parecido. Mas certamente podemos esperar mudanças de comportamento nessa direção, o que geraria o mesmo tipo de viés no índice oficial.

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