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Descrição de chapéu sustentabilidade

A importância da inovação para a retomada verde

É impossível ignorar as evidências alarmantes sobre os marcadores dos limites planetários

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Priscila Borin Claro

Professora associada e líder do Núcleo de Sustentabilidade e Negócios do Insper. É mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de Wageningen (WUR) e doutora em Administração e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal de Lavras

Impossível ignorar as evidências alarmantes sobre os marcadores dos limites planetários. O conceito de limites planetários foi proposto por um grupo internacional de cientistas, liderado pelo sueco Johan Rockström, do Centro de Resiliência de Estocolmo, que mensurou o risco que corremos ao quebrar o equilíbrio natural e a capacidade de resiliência da Terra. Os cientistas propuseram nove marcadores de fronteiras ambientais seguras relacionados aos impactos das atividades humanas nos ecossistemas planetários. Estimativas atuais indicam que seis limites —mudanças climáticas, perda de biodiversidade, fluxo biogeoquímico, poluição plástica e mudanças no uso da água doce— já foram ultrapassados.

A manutenção dos limites planetários em zonas seguras para a sobrevivência na Terra pressupõe investimentos em inovação. Em um país onde menos de 1% do PIB é direcionado para investimento público em inovação, como é o caso do Brasil, o papel das organizações se torna ainda mais relevante para tratar problemas críticos da nossa sociedade. Na prática, as estratégias organizacionais que visam a geração de valor compartilhado dependem da inovação orientada para a sustentabilidade (IOS). A IOS envolve a realização de mudanças intencionais em produtos, serviços, processos e modelos de negócios a fim de gerar benefícios ambientais e sociais perenes, além de, ao mesmo tempo, retorno financeiro para o negócio.

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Área desmatada por grileiro dentro da terra indígena Trincheira Bacajá, no Pará - Lalo de Almeida - 26.ago.2019/Folhapress

Em geral, a IOS incorpora no processo de inovação questões relacionadas a clima, resíduos e poluição, direitos humanos, diversidade, inclusão, entre outros objetivos globais de sustentabilidade. O potencial de geração de valor compartilhado é significativo. Um estudo recente do WRI Brasil indica que práticas sustentáveis e de baixo carbono podem gerar um crescimento significativo do PIB, com ganho total acumulado de R$ 2,8 trilhões até 2030 em relação ao business as usual.

São vários os exemplos de IOS em novos modelos de negócios sociais ou de impacto, como é o caso da Pantys e da VerBem. A Pantys é uma empresa B brasileira que desenvolveu uma calcinha absorvente reutilizável. A ideia por trás do produto é combinar tecnologia, sustentabilidade e design em prol do conforto e da saúde da mulher durante seus ciclos menstruais. As peças têm tecido biodegradável e antimicrobiano com bloqueador de odores, alta capacidade de absorção e durabilidade de dois anos (50 lavagens). O uso de Pantys reduz em um ano o uso de 400 absorventes descartáveis, que equivalem a uma economia anual de R$ 300 e 4 kg de lixo. A Pantys também tem um posicionamento que remete a liberdade e empoderamento das mulheres e combate à pobreza menstrual através do programa de doações de calcinhas, que envolve publicações no Instagram e a ação ativa das consumidoras. As duas empreendedoras que fundaram a Pantys já foram reconhecidas no Brasil e no mundo pelos impactos positivos gerados pela inovação do modelo de negócio e produto.

A VerBem é uma ótica não convencional que tem como principal objetivo tornar o mercado óptico mais acessível e democrático sem perder em estilo e qualidade. Eles oferecem o modelo GoodVisionGlasses (baixo custo) e também óculos convencionais a preços competitivos. Além disso, a marca consegue doar óculos para quem não pode comprar, por meio da ONG Renovatio. A Renovatio viaja o Brasil, nos lugares mais distantes, com ônibus adaptados, carretas e vans, levando atendimentos oftalmológicos gratuitos e doações de óculos de grau para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Em 2021 era a maior ONG de consulta oftalmológica do Brasil, com mais de 200 mil atendimentos em 23 estados do país. A VerBem já enviou cerca de 60 mil óculos de grau para países como Moçambique, Haiti e Índia.

A IOS em negócios tradicionais também tem gerado vários impactos positivos. A Ambev, por exemplo, tem realizado vários ajustes em seu processo de produção e gestão da cadeia de suprimentos para ter uma operação ecoeficiente. A empresa investiu em gestão de recursos hídricos, gestão energética, de resíduos e logística reversa. No caso da água, os dados publicados pela empresa nos relatórios de sustentabilidade mostram que em 2020 o consumo foi 4,7% menor que em 2019. Comparado com o consumo de água em 2002, a redução foi de 55%. A empresa também antecipou a meta de eficiência hídrica definida para 2025 e já alcançou a média de 2,5 litros de água para cada litro de cerveja produzido, o que no passado era algo em torno de cinco litros de água para cada litro de bebida. Uma das principais inovações para melhorar o índice de economia de água foi a instalação de medidores em todas as etapas do processo produtivo, o que possibilita analisar os indicadores para cada uma das fases. Outra ação eficaz para economia de água é a padronização de processos e a replicação de boas práticas que surgem por iniciativa dos próprios funcionários.

Esses três exemplos de inovação no contexto de negócios só são possíveis porque os gestores desenvolvem e aplicam pensamento sistêmico com base em uso de evidências robustas na tomada de decisões e investem em ecossistemas de inovação. O pensamento sistêmico pressupõe que partes de um sistema podem ser melhor entendidas no contexto de suas relações entre si. Isso é relevante, uma vez que os sistemas naturais e sociais estão cada vez mais interconectados e qualquer mudança em um deles pode causar um ponto crítico em outro. As mudanças climáticas, por exemplo, afetam a quantidade e severidade das chuvas e inundações, o que pode gerar deslizamentos e mortes em bairros de periferia em centros urbanos. É necessário compreender de forma mais ampla todo o sistema do qual a organização faz parte –incluindo outras empresas, o meio ambiente, fornecedores, competidores, comunidades do entorno, governos, pesquisadores e universidades.

Como fazer a IOS em escala global? É possível reverter limites planetários em zonas críticas por meio de IOS? Atualmente, pesquisadores argumentam que o único limite seguro é o da camada de ozônio. Para quem não se lembra ou não conhece a história, em 1985 a camada de ozônio teve seu marcador de limite seguro ultrapassado. Cientistas descobriram um buraco na camada de ozônio na Antártica e chamaram atenção para a necessidade de uma ação efetiva a fim de evitarmos uma catástrofe global. Para deter o avanço do buraco, diferentes países concordaram em banir o uso dos gases clorofluorcarbonetos (CFC). O acordo foi formalizado na Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio em 1985 e no Protocolo de Montreal em 1987. Além da governança global restritiva, foi graças à ciência e inovação no setor químico, em especial nos setores de refrigeração e ar-condicionado, que conseguimos banir eficientemente o gás CFC do mercado sem causar uma grande perda econômica para setores e empresas.

Essa história de sucesso mostra que é possível resolver problemas complexos da sociedade por meio de pensamento sistêmico, colaboração e IOS. A ajuda não virá de outro planeta. Se o desenvolvimento econômico for fundamentado em IOS com foco em energia renovável, proteção florestal, agricultura regenerativa, soluções baseadas na natureza, inclusão social e afins, será possível aumentar os empregos, a renda, reduzir desigualdade, melhorar saúde e bem-estar. Com isso teremos mais tempo para viver em harmonia com a natureza e com nossos entes queridos.

Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil.

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