Nelson Rodrigues conta na crônica “Ladrão de Galinheiro”, sobre a final do Campeonato Sul-Americano de 1959, a velha Copa América, que o estádio Monumental de Nuñez, em Buenos Aires, estava cercado por 120 mil inimigos ululantes. Puro romance, porque jamais houve tantos lugares disponíveis para lotar o estádio do River Plate, que recebeu 71 mil na decisão da Copa do Mundo de 1978.
O texto genial termina com a descrição precisa, de um jogo que não foi transmitido pela TV e, portanto, Nelson jamais assistiu. Com empate por 1 a 1 entre Brasil e Argentina, gols de Pizzutti e Pelé, Garrincha teria passado pelo goleiro Negri e chutado para o gol vazio. Bola encaminhada para a rede, o árbitro chileno Carlos Robles apitou, ou como descreve Nelson Rodrigues, apitou histericamente.
“Amigos, Robles assassinou o gol do Brasil!”
A descrição impecável do que provavelmente ouviu pelo rádio contrasta com o relato da revista argentina El Gráfico. Em seus arquivos, as páginas amareladas pelo tempo não se referem ao gol assassinado de Garrincha, mas descrevem o último ataque argentino com um chute à queima-roupa que teria atingido o braço do zagueiro brasileiro Orlando Peçanha. Pênalti para eles.
Entre as páginas de Nelson Rodrigues e as de El Gráfico, apenas uma certeza: Robles roubou. Duro é saber para quem.
Desde sua primeira edição, em 1916, a Copa América deixou uma coleção de histórias, muitas delas puro folclore. O Brasil foi eliminado no sorteio, nas semifinais de 1975, depois de perder para o Peru no Mineirão, por 3 a 1, e vencer em Lima, por 2 a 0.
Por décadas, contou-se que o presidente da Confederação Sul-Americana, Teofilo Salinas, presenciou o cara ou coroa que definiu o finalista e que, com a moeda ainda no alto, alguém no estádio Nacional gritou: “Deu cara! Ganhamos!” O Peru eliminou o Brasil e foi campeão pela segunda vez.
Tão rica em mitos, mais ainda em craques, a Copa América não comove. É lenda se alguém disser que isto é novidade. Foi assim nos últimos 40 anos, fosse no dia em que o Brasil perdeu de 4 a 0 do Chile, em Córdoba (1987), fosse na estreia da seleção na última Copa América disputada aqui (1989). Havia 80 mil lugares disponíveis na Fonte Nova e 13 mil espectadores para assistir a Brasil 3 x 1 Venezuela.
Na primeira vez em que os venezuelanos marcaram contra a seleção, gol de Maldonado, que jogaria no Fluminense, ninguém ligou para o time de Lazzaroni. Só para o vexame de ser vazado pela Venezuela.
Daquela vez, a descrença no país do futebol que havia levado 4 a 0 do Chile em 1987 e 4 a 0 da Dinamarca, em 1989, contrastou com a empolgação depois de passar apuro em Salvador, mas vencer o Paraguai no Recife e se classificar para a fase final, no Maracanã.
Dos 13 mil pagantes na estreia, saltou-se para 89 mil contra a Argentina e 132 mil na decisão contra o Uruguai. Finalíssima em 16 de julho, aniversário do Maracanazo, com gol de Romário e vitória por 1 a 0, em vez da frustração de Ghiggia.
Há 30 anos, à parte a empolgação do título, sepultado um ano depois com a eliminação mais precoce do Brasil em Copas depois do tri de 1970, houve a chance de ver Maradona. Na derrota da Argentina para o Uruguai, na eliminação dos campeões mundiais da época, Dom Diego tentou uma obra prima com chute do grande círculo que tocou o travessão do goleiro uruguaio Zeoli.
Esta Copa América tem duas chances de ficar nos livros. Pode ser o primeiro título da seleção depois do 7 a 1. Ou o primeiro troféu de Messi em toda sua trajetória pela seleção argentina principal.
Para quem gosta de futebol, não é pouco.
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