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Jornalista e autor de "Escola Brasileira de Futebol". Cobriu sete Copas e nove finais de Champions.

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Melhor jeito de não ter assédio sobre seu técnico é contratar alguém ruim

Ônus de ter um treinador bom, como Jorge Jesus, é concorrer com clubes poderosos

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Vanderlei Luxemburgo conta que se encontrou com o lateral Roberto Carlos no aeroporto de Guarulhos, em dezembro de 2004, uma semana depois de ter sido campeão brasileiro pelo Santos. “Está indo passear na Europa?”, perguntou o lateral. “Não. Estou indo trabalhar na Espanha. Fui contratado pelo Real Madrid e vou treinar você”, respondeu o técnico.

A notícia foi tão surpreendente que a Folha publicou, no dia 30 de dezembro: “Luxemburgo sai do Santos e diz que vai assumir o Real Madrid". Mesmo depois do pedido de demissão oficial, ainda se duvidava que pudesse ser verdade. Era.

A lembrança da transferência de Vanderlei Luxemburgo para o Real Madrid vem ao encontro do que se pensa ser um desrespeito de Jorge Jesus com o Flamengo. Não é. O treinador tem mercado em Portugal, recebeu o convite e deu-se o direito de passar dias pensando no futuro.

O ônus de ter um treinador bom é concorrer com clubes poderosos.

A grande lição dada pelo Flamengo ao futebol brasileiro, ao contratar Jorge Jesus, foi o de não restringir sua escolha ao mercado nacional. É possível olhar para todo o planeta e escolher o melhor profissional pelo dinheiro disponível.

Em janeiro de 2018, a direção rubro-negra foi extremamente criticada por não frear o desejo do colombiano Reinaldo Rueda de dirigir a seleção chilena. Por três semanas, foi discutido se o técnico cumpriria seu contrato com o Flamengo por mais um ano, ou se aceitaria a transferência.

Falou-se em falta de liderança do diretor-executivo Rodrigo Caetano e em desrespeito de Rueda. Quando decidiu ir, o colombiano pagou ao Flamengo a multa de US$ 1 milhão. Cumpriu o contrato e aplicou a cláusula de rescisão.

A repercussão sobre êxodo de jogadores é inversamente proporcional ao de treinadores. É normal ouvir quem defenda vendas de craques na primeira oferta, mas julgue desrespeito quando um técnico avalia deixar o clube onde trabalha para ir à Europa.

Não estamos acostumados a exportar técnicos. Só craques.

Os técnicos brasileiros iam para o exterior na década de 1970 e ninguém impunha que Zagallo, Rubens Minelli, Evaristo de Macedo ou Telê Santana permanecessem aqui. Os petrodólares gritavam: “venha!”.

Aconteceram muito menos transferências de técnicos brasileiros a partir da década de 1980. Mas houve casos pontuais, de Jair Pereira no Atlético de Madrid, Carlos Alberto Parreira no Valencia, Carlos Alberto Silva no Porto e Deportivo La Coruña, Abel Braga no Olympique de Marselha, Luxemburgo no Real Madrid e Felipão no Chelsea.

Discussões sobre falta de ética existiam quando técnicos rompiam contratos para assumirem outros times aqui mesmo no Brasil.

Luxemburgo foi recebido sob moedas e gritos de “mercenário”, ao voltar à Vila Belmiro como técnico do Corinthians, em 1998, depois de passar pelo Santos.

A fúria se volta agora para os estrangeiros. O São Paulo tinha contrato com Juan Carlos Osorio, que preferiu dirigir a seleção mexicana, e com Edgardo Bauza, contratado pela Argentina. Rueda trocou o Flamengo pelo Chile, e os últimos dez dias foram marcados pelo silêncio de Jorge Jesus.

O melhor jeito de não haver assédio sobre seu técnico é contratar alguém bem ruim. Diminuirá a chance de rompimento de contrato, mas também tornará escassa a possibilidade de ser campeão.

As únicas proteções reais são multas altas e contratos bem redigidos. Vale também para os jogadores.

Quanto mais o Brasil tiver craques, em campo e no banco, melhor será o nível dos jogos. E mais europeus irão cobiçar o treinador do seu time.

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