Num intervalo de 25 dias, Rogério Ceni foi eliminado pelo São Paulo duas vezes, como técnico de dois clubes diferentes, e numa mesma edição da Copa do Brasil. O futebol brasileiro é pródigo em criar histórias exclusivas, saborosas para alimentar o noticiário e, muitas vezes, ilustrativas de fracassos de equipes.
Como Rogério Ceni, o lendário técnico Osvaldo Brandão, sete vezes campeão paulista, viveu situação semelhante 56 anos atrás. Empregado no Botafogo, de Ribeirão Preto, visitou o Santos na Vila Belmiro num sábado, 29 de novembro de 1964. Levou 11 a 0, oito gols de Pelé.
Caiu!
No dia seguinte, o Corinthians perdeu por 4 a 2 da Portuguesa. O treinador corintiano, Roberto Belangero, foi demitido sete dias mais tarde, ao levar 4 a 1 do Palmeiras. Resultado: Brandão foi contratado no Parque São Jorge.
Sua estreia foi agendada para 6 de dezembro, exatas duas semanas depois da lavada de 11 a 0. Clássico contra o Santos, que meteu 7 a 4, com mais quatro marcados pelo Rei. Em duas semanas, Osvaldo Brandão sofreu 18 gols santistas, 12 anotados por Pelé.
Na noite de quarta (18), a Copa do Brasil registrou três eliminações de técnicos que já haviam sido desclassificados antes. Guto Ferreira, do Ceará, caiu contra o Palmeiras. Já tinha sido como técnico do Sport, contra o Brusque. Allan Aal, do Cuiabá, foi eliminado pelo Grêmio. Antes, havia caído contra o Botafogo, no comando do Paraná.
Para não parecer que não existem histórias fora da ordem em outros países, o turco Fatih Terim era técnico do Milan, em 2002, e dava palestra para empresários, em Istambul. Tratava do desrespeito com treinadores na Turquia e explicava que, na Itália, onde trabalhava, jamais haveria tal desorganização.
No retorno do intervalo para o café, Terim foi surpreendido pela notícia de que o Milan acabara de anunciar sua demissão. Terim virou piada na Itália, mas é até nome de estádio do Istambul Basaksehir. Seu sucessor, Carlo Ancelotti, ficou oito anos no cargo, o mais longevo treinador do Milan.
Os arquivos brasileiros têm de tudo. Ney Franco era técnico do Ipatinga, eliminado pelo Flamengo nas semifinais da Copa do Brasil de 2006 e contratado antes da decisão, para ser campeão pelo clube carioca, na finalíssima do mesmo torneio.
Antônio Lopes foi rebaixado pelo Coritiba e campeão pelo Corinthians, no mesmo Brasileiro de 2005. Começou a campanha no Coxa e terminou no Parque São Jorge, com passagem no meio pelo Athletico, onde foi vice-campeão da Libertadores.
A gente ri para não chorar.
Rogério Ceni disse ter se arrependido de pedir demissão do Fortaleza para assumir o Cruzeiro, afirmou que não repetiria a ruptura e, mesmo assim, aceitou o convite do Flamengo. A óbvia contradição não exclui colocar-se no lugar de Rogério —eu me coloco e tomaria a mesma decisão.
É óbvio, por outro lado, que é necessário diminuir a quantidade de curiosidades, anedotas como se diz em espanhol, como das duas eliminações de Rogério Ceni contra o São Paulo, pelo Fortaleza e pelo Flamengo. As listas de técnicos ganham linhas e os times perdem tempo.
Claro que não há receita pronta, como mostram os sucessos do Palmeiras, de Felipão, e do Flamengo, de Jorge Jesus, campeões brasileiros nos últimos dois anos depois de mudarem treinadores.
Também há casos como o do Corinthians, de Tite, e do São Paulo, de Telê Santana, campeões da Libertadores depois de suportarem crises profundas.
Histórias como as de Rogério Ceni e Osvaldo Brandão recheiam nosso acervo e empobrecem nosso futebol.
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