A afirmação do técnico Abel Ferreira, de que o Palmeiras não pode vender Gabriel Veron por valor menor do que a negociação de Neymar, só revela que o subdesenvolvimento não é exclusividade do Brasil. Vender por quê?
Quando o craque do Mundial sub-17, campeão pela seleção, finalmente explode como profissional, o primeiro objetivo deve ser ganhar títulos.
Ah, sim, todos os grandes clubes de países distantes do eixo Inglaterra-Espanha pensam em negociar seus craques.
É verdade. Portugal é campeão da Europa. Benfica, Porto e Sporting também exportam.
Grêmio e Porto são exemplos. Descobrem craques e os vendem, depois de alcançarem resultados esportivos. O Porto comprou Radamel Falcão Garcia por US$ 3,9 milhões, do River Plate. Ganhou a Liga Europa com ele e, só depois, efetuou a transferência para o Atlético de Madrid, por US$ 40 milhões.
O Grêmio vendeu Pedro Rocha depois de ganhar a Copa do Brasil e Arthur após vencer a Libertadores.
Abel Ferreira não é culpado pela cultura das vendas. Acontece em todas as ligas, menos na inglesa e na espanhola. Só que a descoberta de que os melhores times do Brasil, em 2020, têm talentos feitos em casa, indica a necessidade de relativizar um clichê dos programas esportivos, quando gigantes enfrentam sequências de derrotas: "Precisa de reforços".
Todo ano alguém diz isto: "Tal time precisa de reforços...". Blá-blá-blá...
O ciclo de compras e vendas movimenta todo o circuito do futebol, de maneira demolidora. O dirigente ruim aposta na contratação como cala-boca para seus críticos, o empresário quer vender, o noticiário alimenta a chance da chegada do novo talento e, quando enfim se efetiva o negócio, a torcida o recebe no aeroporto à espera da alegria do título —ou da despedida, se não der certo.
Claro que há exemplos bem-sucedidos de timaços montados com dinheiro, e o Flamengo de 2019 não nos deixa esquecer. Mas pegue o caso do São Paulo.
No ano passado, seu balanço mostrou gastos de R$ 149 milhões em contratações, que ajudaram a terminar o Brasileiro no modesto sexto lugar: Tiago Volpi, Tchê Tchê, Pablo, Hernanes, Daniel Alves, Igor Vinicius, Everton Felipe, Léo e Vitor Bueno.
Desde a chegada de Fernando Diniz, só houve uma contratação: Luciano. O atacante não custou nem um real, porque foi uma troca por Éverton Cardoso, com o Grêmio. O São Paulo tem cinco titulares formados em Cotia e disputa o troféu com Atlético-MG, Flamengo, Palmeiras, Santos e Grêmio.
Claro que as contratações do ano passado estão no time atual. Agora, sem alarde. Se o título vier, será por estruturar uma equipe.
O Palmeiras usou cinco meninos da base contra o Delfín, quatro desde o início da vitória por 5 a 0. Renato Gaúcho escala Darlan, Matheus Henrique, Jean Pyerre e Pepê, todos criados em seu centro de formação, em Eldorado do Sul.
Dá para montar uma seleção do Brasileiro só com pratas da casa que brigam pela taça: John, Gabriel Menino, Diego Costa, Lucas Veríssimo e Lucas Esteves; Patrick de Paula, Darlan e Jean Pyerre; Gabriel Veron, Brenner e Pepê.
A rodada da Champions League teve, pela segunda vez seguida, 42 brasileiros escalados, dos quais 32 disputaram a Série A.
A minoria, como Renan Lodi, Maycon, Gabriel Jesus e Neymar, conquistaram troféus suficientes para ficarem nas histórias de seus times. A maioria forma uma lista com Rodrygo e Vinicius Junior, do Real Madrid, Antony e David Neres, do Ajax, que representam, para as torcidas dos times formadores, apenas um depósito em conta-corrente.
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