Foram em média cinco telefonemas por dia, conversas com dirigentes de clubes e federações de norte a sul do Brasil, durante os 124 dias de paralisação do futebol, de março a julho de 2020. Houve no mínimo 600 conversas, o que permite dizer que não foi um, mas todos os dirigentes, que tentaram manter todas as competições do calendário 2020.
A impressão inicial era de que a pandemia criaria condições para o debate da reforma. Só que não.
No país em que os clubes puxam o cabo de guerra sempre para o seu lado, a ideia geral foi cumprir todos os contratos. Assim se fez, com as tabelas de 2020 terminando em 7 de março de 2021, data da final da Copa do Brasil.
É urgente, necessário, refazer o calendário do futebol brasileiro, mas a discussão precisa ser mais ampla, como o presidente do Palmeiras, Maurício Galiotte, disse ao presidente da CBF, Rogério Caboclo.
A análise simples indica: cancelem os estaduais. Talvez seja necessário em 2021, se a atual paralisação durar mais de um mês. Haverá impacto em massagistas, roupeiros, treinadores e preparadores físicos que dependem dos contratos até o final de maio.
As mais de seis centenas de telefonemas produziram descobertas de números contrastantes. No ano passado, Ponte Preta, Guarani, Botafogo-SP e Oeste receberam R$ 7,2 milhões para disputar 12 partidas do Campeonato Paulista e R$ 5 milhões para jogar 38 vezes pela Série B.
Na dúvida entre cancelar o Estadual ou o Brasileiro, você imagina que eles preferiam o quê? O Brasileiro, é claro.
Mas o Botafogo não pretendia cancelar nada, exceto o rebaixamento, alegando que havia desigualdade nas condições de treino no retorno da paralisação. Nesse caso, haveria acesso, mas não descenso, e o Paulista estaria mais inchado hoje do que há um ano.
Esse vazio de bom senso se escancara quando o presidente da CBF, Rogério Caboclo, pergunta se algum dos 40 clubes das Séries A e B é a favor da paralisação do futebol. E nenhuma voz se levanta. Segundos depois, ergue-se o presidente do Palmeiras para, timidamente, dizer que a questão é mais ampla. Claro que é. A prioridade é a vida.
O vácuo de liderança não é exclusividade do futebol num país em que, no Carnaval, cancela-se o feriado para diminuir a circulação de pessoas. E na Páscoa, antecipam-se feriados para diminuir a circulação de pessoas. A questão central é diminuir o número de mortes, como em Portugal, Reino Unido e Araraquara, onde o lockdown fez óbitos caírem 78% de 5 a 21 de março.
Dos 20 clubes da Série A, 14 jogaram nesta semana em que o futebol está supostamente parado. Teve jogo de Paulista, Carioca, Gaúcho, Copa do Brasil. No Ceará, não pode ter jogo do Estadual, mas o Fortaleza perdeu do Santa Cruz pela Copa do Nordeste, no Castelão. Coerência zero.
Não pode ser política, tem de ser saúde. A discussão do calendário tem de seguir o mesmo princípio. Só vai ser possível fazer isso depois da pandemia e será necessário ter bom senso, o que mais nos falta neste país em que tudo virou Fla-Flu, ou pior, tudo virou Gre-Nal.
O futebol brasileiro pós-pandemia precisará resolver a difícil equação de fazer os pequenos jogarem por dez meses, sem escravizarem os grandes com 16 jogos abaixo de seu nível técnico.
Isso só vai acontecer se houver saúde e dinheiro. Apenas um novo modelo de financiamento para os pequenos clubes poderá fazer o Brasil descobrir talentos em 8,5 milhões de quilômetros quadrados e os gigantes surfarem no mais imprevisível campeonato nacional do planeta.
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