O livro "Mensch – Behind the cones", do jornalista inglês Jonathan Harding, trata da cultura do futebol alemão e das razões de tantos treinadores nascidos no país campeão mundial de 2014 fazerem sucesso na Premier League. Casos de Jürgen Klopp, do Liverpool, Thomas Tuchel, do Chelsea, e Ralf Rangnick, recentemente contratado pelo Manchester United.
"Os ingleses trabalham acima de um vulcão e os alemães montam suas estratégias na planície, abaixo das montanhas", descreve.
A metáfora explica por que não há técnicos nascidos na Inglaterra campeões desde o Leeds United de Howard Wilkinson, em 1992.
Se os ingleses trabalham no cume dos vulcões, os brasileiros trabalham onde? Queimando-se dentro das lavas?
Pegue o caso recente de Sylvinho e compare com a transformação de Marcelo Gallardo até se tornar ícone, o mais vencedor no comando do River Plate desde Ángel Labruna, que tirou o clube da fila em 1975. Gallardo tinha um único trabalho como técnico, antes de ser contratado pelo River, em 2014. Era campeão pelo Nacional, do Uruguai.
Ninguém aqui dirá que Sylvinho se tornará o novo Marcelo Gallardo, mas há semelhanças nas duas apostas. Ambos foram campeões como jogadores nos clubes que os adotaram, ambos tiveram experiências na Europa e foram agraciados com uma oportunidade depois de uma única experiência como chefes.
Sylvinho tinha 11 jogos na carreira, pelo Lyon. Hoje, tem 51 partidas como técnico. Só.
Se um clube do calibre do Corinthians aposta num treinador jovem é porque julga-o promissor. Dentro do clube, fala-se que Sylvinho tem o repertório de Tite, com mais cultura tática, por ter trabalhado com Guardiola e Roberto Mancini.
O que se pede, neste caso, é tempo para trabalhar.
Quem não oferece essa básica condição não são apenas os clubes ou dirigentes. Somos também os torcedores e comentaristas, jornalistas e ex-jogadores.
Há uma lista de jovens brasileiros que vivem entre o céu dos elogios e o inferno das críticas – e do desemprego – nos últimos anos: Roger Machado, Eduardo Baptista, Maurício Barbieri, Alberto Valentim, Fernando Diniz, Rogério Ceni, Fábio Carille.
Alguns, como Roger, Rogério e Fernando Diniz, acumulam mais estudo do que gerações que se firmaram, de Rubens Minelli a Telê Santana, de Felipão a Luxemburgo. Também convivem mais com uma intransigência que os impede de se firmarem, pulando de dois a três empregos por ano.
Fernando Diniz começou a temporada 2021 no São Paulo e era líder do Brasileiro exatamente um ano atrás. Caiu, passou pelo Santos e pelo Vasco e terminou desempregado. Ele não é ruim. Se você pensar diferente, como explicar o fato de dirigentes de três clubes gigantes o terem contratado?
O Brasil está fascinado pela competência dos portugueses a ponto de a repórter Irene Palma, do jornal A Bola, ter perguntado ao vice-presidente do Flamengo, Marcos Braz, qual a razão disso. A Premier League fascina-se pelos alemães e a razão é a mesma: competência.
A crise dos brasileiros – e dos ingleses – passa pela impaciência. Klopp, Guardiola, Gallardo, Jorge Jesus, Abel Ferreira... Todos trabalham com a paz das planícies, longe dos vulcões, ao pé da montanha.
Pressão em Lisboa
A guerra surda entre o presidente Rui Costa, do Benfica, e o técnico Jorge Jesus não deve levar nem à demissão pelo clube nem ao pedido do técnico para ir embora. Jesus deve ser o técnico na quinta (30), no clássico do Campeonato Português com o Porto. Mas o Benfica tem jogado mal.
O substituto
Paulo Sousa poderia substituir Jorge Jesus no Estádio da Luz, mas tem um velho litígio com a torcida benfiquista, por ter trocado o Benfica pelo Sporting, como jogador, em 1993. Se Jesus e Paulo Sousa não acertarem, o Flamengo corre o risco de ficar numa encruzilhada.
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