Diego Simeone parecia magoado, na entrevista coletiva depois da eliminação da Liga dos Campeões, na quarta-feira (13): "Muitas vezes, quem tem um grande léxico é muito inteligente e te elogia com desprezo". Ninguém duvida de que o texto tenha Josep Guardiola como endereço.
"Seja na pré-história, hoje ou daqui a 100 mil anos, será sempre difícil atacar um 5-5-0. Não há espaços." Assim, o catalão explicou a dificuldade de superar a defesa do Atlético, na vitória por 1 a 0, jogo de ida das quartas de final, na terça-feira (5).
Um elogio com desprezo.
Palavras não se curam, certas ou erradas.
Esta frase é da canção "Palavras", de Marcelo Fromer e Sérgio Britto, do disco Õ Blésq Blum, Titãs, 1989.
Há três anos, Jorge Jesus usou o verbo descansar de uma forma a fazer a imprensa brasileira decidir que aquilo era uma lição de futebol: "Por que isso de descansar? Isso não existe. Tem quinta, sexta, sábado para descansar. Domingo para correr!".
Jorge Jesus comandou o Flamengo 57 vezes e só repetiu oito vezes seu time base, inesquecível: Diego Alves, Rafinha, Rodrigo Caio, Pablo Marí e Filipe Luís; Willian Arão, Éverton Ribeiro, Gerson e De Arrascaeta; Bruno Henrique e Gabigol venceram seis jogos, empataram um e perderam do Liverpool, na prorrogação.
Na quarta-feira (13), horas depois de Simeone lamentar os elogios depreciativos construídos pelo léxico de Guardiola, o treinador corintiano Vítor Pereira deu uma entrevista limpa e certeira. Falou sobre a boa atuação de Fábio Santos e explicou sua substituição pela fadiga. Disse que Paulinho já tinha jogado 45 minutos contra o Botafogo e já não suportava igual. Afirmou que Du Queiroz não teve a frescura de que é capaz, por ter disputado 90 minutos no Rio de Janeiro. "Já percebi que nós, para termos uma equipe competitiva daqui a três dias, vamos ter de mudar muitos jogadores."
Nem Jorge Jesus nos ensinou lições definitivas, nem Vítor Pereira diz verdades absolutas. O Flamengo tinha quatro titulares acima de 30 anos, o Corinthians pode ter oito, se escala Cássio, Fagner, Gil, Fábio Santos, Paulinho, Renato Augusto, Jô e Willian.
Tudo com todas as letras.
Existe uma diferença nas entrevistas coletivas. Algumas divertem e, espremidas, não trazem nenhum conteúdo. Outras falam do jogo. Paulo Sousa, Vítor Pereira e Abel Ferreira conseguem isso.
Não são os únicos. Tite e Mano Menezes, também. Às vezes, acusados de monocórdicos. Azar de quem não gosta de escutar diálogos sobre futebol. Uma função do jornalista é ouvir respostas, longas ou curtas, chatas ou instigantes.
Depois de vencer o Talleres, o técnico do Flamengo, Paulo Sousa, replicou uma pergunta, que já trazia a resposta embutida, e deixou claro que o sistema tático que pareceu inédito para uma parte dos repórteres já tinha sido usado muitas vezes antes.
O desempenho, os deslocamentos, as inversões de posições podem ter acontecido melhor, Bruno Henrique se aproximou de Gabriel mais vezes, mas o sistema era o mesmo, utilizado muitas outras vezes.
Guardiola é o melhor técnico do mundo, mas mentiu ao dizer que o Atlético de Madrid jogou num 5-5-0. Foi apenas o encaixe defensivo de um momento da partida.
Palavras não são frias, palavras não são boas, os números pros dias, os nomes das pessoas, cantam os Titãs. Sistemas têm nomes, e 5-5-0 não é um deles, ensina Marcelo Bielsa em suas palestras.
Pep costumava chamar 4-3-3, 4-4-2 e 3-5-2 de listas telefônicas. Logo ele...
Mentiras sinceras não interessam.
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