Rafael Muñoz

Economista líder para o Brasil do Banco Mundial, já trabalhou para a instituição na Ásia e na África.

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Descrição de chapéu Previdência

Como reformar o funcionalismo público brasileiro

Origem dos desequilíbrios fiscais dos estados é a alta massa salarial, que absorve um volume considerável de recursos financeiros

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São Paulo

Desde a posse dos novos governadores no dia 1º de janeiro, quatro estados já declararam estado de calamidade financeira: Roraima, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Goiás.

A origem dos desequilíbrios fiscais dos estados é a alta massa salarial, que absorve um volume considerável de recursos financeiros – segundo o Tesouro Nacional 14 Estados já ultrapassam o limite máximo de gasto com pessoal, definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (60% da receita corrente líquida).

Viaturas da Polícia que estão paradas na região metropolitana de Cuiabá. Centenas foram recolhidas pela locadora porque o governo não pagou o combinado
Viaturas da polícia que estão paradas na região metropolitana de Cuiabá. Centenas foram recolhidas pela locadora porque o governo não pagou o combinado - :Edson Rodrigues/Folhapress

Depois da previdência, a massa salarial dos servidores públicos na ativa é o segundo maior problema dos estados. De fato, a previdência e a massa salarial são dois temas fortemente interligados.

A massa salarial tem crescido consideravelmente no setor público brasileiro, superando Portugal e França e permanecendo bem acima de países como a Austrália ou os EUA.

Mas vamos primeiro esclarecer alguns pontos. Os servidores públicos brasileiros são extremamente competentes. Os concursos para provimento em cargo público são altamente competitivos. Na esfera Federal, 70% dos servidores públicos têm, pelo menos, o ensino superior completo.

Além disso, o número relativo de servidores públicos no Brasil não é alto quando comparado a padrões internacionais e considerando-se também o volume de serviços prestados pelo Estado brasileiro. O problema principal é a remuneração, que, na média, é muito alta.

Controlando-se a educação, a experiência e outras características pessoais, os funcionários públicos federais ganham 67% a mais que seus pares no setor privado; e os servidores estaduais, 31% a mais.

Essa diferença é o que chamamos de prêmio salarial. A média internacional do prêmio salarial é de cerca de 16%. Esses prêmios não incluem benefícios do setor público como a estabilidade (comum na maioria dos países) e os regimes previdenciários (que, no Brasil, são muito generosos). 

Como chegamos a essa situação? Com frequência, os interesses corporativos dos servidores públicos contam com forte representação no Congresso. Não é fácil demitir servidores no Brasil, que também têm o direito de entrar em greve e, portanto, forte poder de barganha.

A situação é exacerbada pela fragmentação das carreiras no setor público e pelo efeito cascata decorrente da negociação das carreiras com maior poder de barganha.

Por exemplo, há mais de 300 carreiras diferentes em nível federal, com uma definição bastante restrita das competências de carreira, o que acaba deixando a gestão da força de trabalho demasiadamente inflexível. 

Além disso, os interesses corporativos tiraram proveito de seu poder político para criar uma estrutura de remuneração pouco transparente e, de modo geral, desvinculada do desempenho.

Foram adotadas diversas gratificações e bônus para inflar os salários —às vezes, acima do limite constitucional. Esses benefícios costumam valer para todos os servidores de uma mesma categoria —ou seja, não atendem mais ao objetivo original de incentivar o desempenho ou compensar o esforço.

Os poderes Legislativo e Judiciário oferecem os pacotes mais generosos, exacerbando o desafio político imposto pelas reformas.

Além disso, salários iniciais elevados e a rápida e automática progressão na carreira significam que a remuneração raramente serve como incentivo para aumentar o desempenho. Ao ingressar no serviço público, os servidores já alcançaram seu maior objetivo de carreira. 

De acordo com o entendimento do judiciário sobre direitos adquiridos, os governos não podem reduzir os salários e, muitas vezes, têm dificuldade de extinguir benefícios após sua concessão.

Isso, juntamente com a vinculação de receitas, gera movimentos salariais pró-cíclicos e ascendentes em períodos de crescimento, e remunerações inflexíveis em épocas de recessão. Por isso, o ajuste fiscal deve, necessariamente, ser gradual.

O que pode ser feito nesse contexto? Em primeiro lugar, para garantir a credibilidade do ajuste, a liderança política deve ser forte e o Legislativo e o Judiciário têm que participar. A forte crise fiscal deve ajudar a gerar consenso, pois há o risco de que o pagamento de salários com atraso comece a se repetir e se acumular.

Em segundo lugar, é necessário fazer uma análise detalhada de todas as práticas de remuneração, com o objetivo de elucidar as áreas onde é possível economizar sem a necessidade de alterar a legislação. Foi o que aconteceu, por exemplo, nos ajustes feitos com sucesso no Espírito Santo e em São Paulo.

Em terceiro lugar, é preciso alterar a legislação referente à estrutura das carreiras e às regras do serviço público civil, com a ciência de que tais medidas talvez levem algum tempo para gerar resultados.

Enquanto essas mudanças não forem realizadas, os governos estaduais devem adotar políticas salariais pautadas pela prudência.

O congelamento temporário dos salários por três anos, por exemplo, junto com uma taxa de reposição mais baixa dos servidores que se aposentam ajudariam a resolver a crise fiscal em diversos estados, desacelerando também o aumento da previdência, que é vinculada aos salários dos trabalhadores na ativa.

Tais medidas podem ser seguidas da introdução gradual de novas regras de remuneração para os novos ingressantes no serviço público, diminuindo o risco de judicialização.

A menos que algo seja feito rapidamente para reformar as práticas do serviço público, os salários em atraso vão começar a se acumular e a qualidade do serviço público no Brasil pode se deteriorar. Porém, se for adotado um sistema de remuneração mais acessível e justo, o serviço público passará a atrair mais novos talentos. 

Os servidores públicos no Brasil são muito competentes e merecem um sistema justo que destrave o seu pleno potencial. Por outro lado, um sistema justo também garantirá à população brasileira acesso a serviços públicos melhores, a um custo mais acessível.

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