Rafael Muñoz

Economista líder para o Brasil do Banco Mundial, já trabalhou para a instituição na Ásia e na África.

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Rafael Muñoz

Como a melhoria do sistema antidumping pode ajudar na produtividade do país

Brasil fez 11,9% das medidas antidumping, mas respondeu por 0,87% do valor das importações

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O Brasil é um usuário assíduo de mecanismos de defesa comercial, em especial medidas antidumping. Já em 2007, o país era o 8º maior usuário de antidumping dentre os mais de 150 países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), respondendo por 5,6% de todas as medidas em vigor. O uso dessas medidas pelo Brasil se intensificou na última década. Em 2017, o país foi o 3º maior usuário mundial em números absolutos com 171 medidas antidumping vigentes, apesar de ser apenas o 29º país que mais importou no período. Em outras palavras: o Brasil foi responsável por 11,9% das medidas antidumping, mas respondeu por apenas 0,87% do valor das importações mundiais. 

As medidas antidumping são um mecanismo válido dentro dos ordenamentos jurídicos nacional e internacional, e são importantes em disputas comerciais entre países. Mas elas implicam necessariamente em aumento de preços de produtos de origens afetadas e podem gerar aumento de poder de mercado e reduzir pressão competitiva na indústria nacional. Esses efeitos são potencializados quando o bem afetado pela medida antidumping é insumo produtivo de outros setores. 

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Navio é carregado com contêiner no porto de Paranaguá, Paraná - Eduardo Anizelli/Folhapress

Dados recentes coletados e analisados pelo Banco Mundial mostram que em 2017, mais de 50% do estoque de medidas antidumping em vigor afetava bens intermediários. Nesses casos, além do aumento de preço aos consumidores finais e potencial redução da produtividade das empresas da indústria afetada, toda a cadeia produtiva e, consequentemente, a competitividade sistêmica do país podem ser prejudicadas. Evidência empírica recente apresentada por Sergio Kannebley, Rodrigo Remédio e Glauco Oliveira —a partir de uma análise de um painel de firmas da indústria manufatureira brasileira no período 2003-2013 —indica que empresas que operam em setores beneficiados por medidas antidumping experimentam, em média, tanto aumento de markup (1.5%) quanto queda de produtividade (em torno de 8.5%) após a aplicação das medidas de proteção.

O governo, portanto, tem que alcançar um difícil equilÍbrio entre evitar que a aplicação de medidas antidumping prejudique a concorrência, a produtividade e a competitividade da economia brasileira, e assegurar que essas medidas possam ser usadas de maneira racional como regras de defesa comercial internacionalmente estabelecidas.

Entre 2012 e 2017, o Brasil deu vários passos concretos (nem sempre na mesma direção, é preciso dizer) na tentativa de racionalizar o uso de medidas antidumping.

Em especial, foram editadas normas para regulamentar a utilização do princípio de interesse público em análise antidumping com o intuito de aferir e considerar os efeitos totais da adoção dessas medidas para o país. Isso implica fazer uma comparação entre os potenciais efeitos positivos (usualmente sobre os produtores locais) e os negativos (sobre o restante da economia). Entretanto, na prática, essas regras não foram capazes de entregar os resultados esperados.

O arcabouço criado não definiu interesse público de forma suficientemente objetiva, não estabeleceu metodologias claras para sua análise, não alocou recursos humanos necessários à análise desses pleitos e não exigiu dos peticionários das investigações antidumping a prestação de quaisquer informações a respeito dos custos associados a aplicação dessas medidas, reduzindo ainda mais a capacidade de análise.

Não obstante todas as restrições conceituais, metodológicas, informacionais e de recursos humanos, o sistema também falhou ao não estabelecer critérios mínimos para um devido processo legal administrativo para a análise de interesse público, permitindo uma multiplicidade de procedimentos administrativos e intervenções pouco transparentes por parte do governo. Apesar das tentativas recentes de se aplicar o interesse público de forma sistemática, essas limitações institucionais geraram significativa discricionariedade e incerteza jurídica.

Nesse contexto, análise recente do Banco Mundial mostra que o atual arcabouço brasileiro responsável pela investigação e aplicação de medidas antidumping poderia se inspirar em várias soluções institucionais já adotadas por outras jurisdições que fazem uso do mecanismo de interesse público, como União Europeia, Canadá e Nova Zelândia.

Destacamos três alterações do sistema brasileiro que seriam capazes de alinhá-lo às melhores práticas internacionais no uso do interesse público: (i) eliminar a multiplicidade de procedimentos disponíveis  para análise de interesse público, adotando procedimento único independentemente se a iniciativa parte do governo ou do setor privado, datado de devido processo legal administrativo; (ii) aproveitar recursos humanos e capacidade técnica dedicados à investigação antidumping para a realização de análises de interesse público; e (iii) definir conceito claro e objetivo de interesse público, adstrito a critérios técnico-econômicos.

Ao mesmo tempo, o Brasil também tem a oportunidade de trazer inovações ao modelo internacional, por exemplo requerer dos peticionários de investigação antidumping informações a respeito dos custos associados à implementação das medidas que pleiteiam.

Regras como essa seriam capazes de, ao mesmo tempo, aumentar o nível e a qualidade das informações disponíveis para análise, dividir com o setor privado a responsabilidade de identificar os custos que uma medida antidumping pleiteada por uma indústria nacional teria sobre a economia do país e, por fim, reduzir incentivos à proliferação de pedidos espúrios de investigação.  

O Brasil tem diante de si a oportunidade de racionalizar o procedimento de interesse público, de forma a minimizar eventuais efeitos anticompetitivos das medidas antidumping, sem enfraquecer os mecanismos de defesa comercial existentes. Inovar a partir da experiencia internacional pode ser uma primeira maneira de avançar nesse processo. 

A coluna foi escrita em colaboração com Mariana Iootty, economista sênior, e Guilherme Falco, economista do Banco Mundial. 

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