Rafael Muñoz

Economista líder para o Brasil do Banco Mundial, já trabalhou para a instituição na Ásia e na África.

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Rafael Muñoz

Alavancando o impacto do Fundo Social

Distribuição do recurso do pré-sal demanda cautela

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Os recentes debates sobre a distribuição de recursos do pré-sal a estados e municípios em crise fiscal demandam cautela na análise dos mecanismos de distribuição.

Ainda que possa representar um instrumento gerador de ganhos para todas as partes, com resultado positivo no agregado da economia brasileira e indução de melhoria dos indicadores sociais, há o risco de que a nova transferência venha a se constituir apenas em um novo mecanismo ad hoc de socorro aos estados, sem contribuir para a melhoria do desenho do federalismo fiscal ou da estrutura de incentivos que hoje induz a comportamentos fiscais pouco prudentes. 

O Fundo Social foi criado em 2010 num contexto de otimismo com uma política de crescimento induzido pelo Estado a partir de rendas do petróleo que se esperava crescentes e capazes de reverter o desequilíbrio crônico das contas públicas. Seu desenho, no entanto, é problemático e mostra uma contradição de objetivos. Além disso, alguns princípios poderiam nortear uma utilização mais eficiente dos recursos. 

À época de sua criação, os objetivos formais do fundo eram: (i) constituir poupança pública de longo prazo com base nas receitas auferidas pela União; (ii) oferecer fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional; e (iii) mitigar as flutuações de renda e de preços na economia nacional, decorrentes das atividades de petróleo e de outros recursos não renováveis. Além de parcelas de bônus de assinatura e royalties da União, o Fundo receberia os royalties e a participação especial das áreas localizadas no Pré-Sal contratadas sob o regime de concessão destinados à administração direta da União. 

Já de partida se vê uma clara contradição de objetivos: aumentar poupança pública, realizar políticas anticíclicas e desenvolver política regional, social e industrial. Ou seja, aumento de poupança e de despesa ao mesmo tempo.

Essa contradição começou a se resolver em 2013 quando a Lei nº 12.858/2013 introduziu novas regras, vinculando 50% dos recursos recebidos pelo Fundo Social à educação e saúde até que sejam cumpridas as muitas e ambiciosas metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação. Originalmente só se poderia gastar os rendimentos do Fundo. Agora pode-se gastar 50% do valor do principal com educação e saúde. Isso significa, de fato, o abandono do objetivo de acumular poupança em favor do objetivo de ampliar gastos.

No entanto, entre 2008 e 2012 não houve sequer uma licitação de campos de exploração e é só a partir de 2019 que se esperam que os ingressos no Fundo crescerão exponencialmente com o desenvolvimento das áreas do pré-sal. Estimativas preliminares da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) apontam que o fluxo anual das principais fontes de irrigação do Fundo Social (royalties, participações especiais e receita de venda de óleo da União) poderiam passar de R$ 14 bilhões em 2019 para R$ 64 bilhões em 2028.

O Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), em estimativas internas, é ainda mais otimista, projetando um ingresso potencial de R$ 80 bilhões em 2028. Note-se que, embora sejam valores elevados, tais montantes ainda ficam longe das quantidades necessárias para financiar o déficit primário do Governo Federal, projetado em R$ 159 bilhões para 2019.

Alguns princípios poderiam nortear uma utilização mais eficiente dos recursos do Fundo. A parcela da União deveria ser destinada idealmente ao pagamento da dívida pública federal ou, ao menos, parte desta parcela, acelerando a consolidação fiscal e aumentando os graus de liberdade de gestão da política fiscal.

Parte dos recursos liberados poderiam ser repassados regularmente aos estados e municípios, em um esforço para solucionar a crise fiscal desses entes. Mas seria importante ter uma visão abrangente desse financiamento, alinhada à uma solução permanente de múltiplos contenciosos entre a União e os estados (por exemplo, as entregas temporárias previstas pela Lei Kandir). Além disso, a transferência deve ser desvinculada do financiamento de setores específicos, deixando-se aos próprios estados liberdade para a alocação das verbas, incluindo abatimento de sua dívida.

Já os critérios de distribuição dos recursos entre os estados deveriam privilegiar o incentivo à boa gestão de políticas públicas, ou seja, parte relevante do critério não deveria se fundamentar em coeficientes fixos. Poderiam ser utilizados, por exemplo, indicadores já existentes para medir os desempenhos estaduais nas áreas de educação, saúde e gestão fiscal, de forma a harmonizar critérios e evitar contenciosos.

Uma sugestão de indicadores seriam as pontuações da rede pública estadual e municipal no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), e as séries de expectativa de vida ao nascer e de mortalidade infantil, que sintetizam o estado geral de saúde de uma população. No campo fiscal, a STN dispõe de metodologia transparente para apuração da despesa de pessoal dos estados. 

O ideal seria premiar aqueles estados onde houver maior variação de indicadores positivos em saúde e educação (favorecendo aqueles que partem de patamares mais baixos), deixando que estados com pior desempenho percam receitas em relação ao exercício anterior. Teríamos, com isso, um mecanismo de competição que estimularia cada governo estadual a ser mais eficiente em suas políticas de saúde e educação.

Como as políticas municipais também influenciarão no desempenho, cada estado terá incentivos para coordenar suas ações com os municípios, visando ganhos de qualidade na provisão de serviços. Para cada ano, seriam fixados os coeficientes de distribuição do ano seguinte, com base nos dados mais recentes disponíveis para os indicadores. Assim, cada estado e seus respectivos municípios teriam clareza quanto ao montante a ser recebido no exercício seguinte, podendo fazer seu planejamento orçamentário e financeiro.

É preciso evitar a transferência de valores excessivamente altos, seja porque a União não tem saúde financeira para custear transferências elevadas, seja porque haverá desestímulo ao ajuste fiscal no âmbito estadual.

Será importante, também, que os valores transferidos guardem proporção com o tamanho da população local para evitar grandes disparidades nos valores per capita transferidos. Uma adequada calibração de indicadores poderia contribuir para uma redução de desigualdades regionais.

Com efeito o montante real total a ser distribuído deve ser fixo. Primeiro, porque um montante estável e fixo induz uma competição saudável dos Estados por uma maior parcela na distribuição. Segundo, porque a fonte de recursos, as rendas de petróleo, oscilam muito e, portanto, podem estimular aumentos de gastos nas fases ascendentes que, quando os preços refluírem, criariam mais uma crise fiscal.

Ademais, usar critérios, por exemplo, baseados nas regras dos fundos de participação de estados e municípios (FPE e FPM) seria perpetuar a alocação ineficiente que eles fazem. O FPM privilegia excessivamente os pequenos municípios e prejudica as grandes cidades da periferia metropolitana, e colocaria ainda mais recursos onde eles são menos necessários.

Como se vê, o desenho do mecanismo faz toda diferença entre uma inovação criadora de valor ou um simples socorro financeiro gerador, mais uma vez, de risco moral. 

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