Rafael Muñoz

Economista líder para o Brasil do Banco Mundial, já trabalhou para a instituição na Ásia e na África.

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Rafael Muñoz
Descrição de chapéu Teto de gastos em debate

Será que o teto dos gastos está funcionando?

A trajetória de despesas primárias ficou estável, mas os superávits ainda não se recuperaram

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A política econômica no Brasil exibiu tremendo processo de maturação ao longo das últimas décadas, em especial quando se trata de política monetária, estabilidade financeira interna e externa e gestão da dívida. É por isso que terremotos econômicos em mercados emergentes recentemente não tiveram um efeito tão grande no Brasil.

De fato, vivemos condições externas estranhas, em que os mais altos níveis de dívida pública atingidos desde a Segunda Guerra Mundial coexistem lado a lado com taxas de juros historicamente baixas.

É o que vem ocorrendo no Brasil: a dívida pública bruta atingiu um ápice recorde, aproximando-se dos 80% do PIB, muito embora a taxa Selic tenha chegado a uma baixa também recorde, com rendimentos de longo prazo sobre a dívida pública mais baixos do que os verificados no passado.

Considerando-se que as baixas taxas de juros resultam em custos baixos do serviço da dívida, o Brasil desfruta de mais espaço para um ajuste organizado e gradual dos seus problemas fiscais estruturais. As atuais condições do mercado oferecem, portanto, uma janela de oportunidade para a correção através de um ajuste gradual, que permitiria que o Estado brasileiro redefinisse as suas prioridades.

O principal instrumento adotado pelo governo para a realização desse ajuste gradual é o Teto de Gastos aprovado pelo congresso no final de 2016. Passados três anos, vemos surgir uma variedade de debates que questionam a adequação dessa regra fiscal.

Essencialmente, o teto inclui duas funções distintas. Em primeiro lugar, e a mais importante, ele representa uma âncora fiscal. É um mecanismo de sinalização e de compromisso, que dá previsibilidade à política fiscal e que compromete o governo com um ajuste fiscal gradual do lado das despesas.

Consequentemente, empresta credibilidade ao governo do Brasil na sua capacidade e vontade de honrar suas obrigações de dívida, apesar do nível alto da dívida e do grande déficit fiscal. Esse mecanismo de sinalização do teto parece estar funcionando bem.

As visões do mercado sobre o risco fiscal brasileiro experimentaram melhorias significativas depois da implementação do teto, tendência que vem se sustentando. Provavelmente, o ambiente externo também ajudou, considerando a ampla liquidez global que beneficia a maior parte dos mercados emergentes.

Em segundo lugar, ainda que menos importante no atual contexto, muito embora crucial para a condução da política fiscal a longo prazo, o teto funciona como restrição que evita a expansão fiscal pró-cíclica durante os períodos de bonança.

Olhando para trás, a situação fiscal verificada hoje no Brasil poderia ser diferente se os crescimentos cíclicos das receitas durante os períodos de crescimento mais notável não tivessem resultado em um crescimento rápido também das rígidas despesas públicas.

É importante notar, no entanto, que o teto é apenas um mecanismo de compromisso que requer o atendimento às reformas estruturais. Muitas dessas reformas foram retardadas durante anos, mas algumas, como no caso da reforma da previdência, foram adotadas.

Na visão do mercado, o teto se mostra como um mecanismo de compromisso mais robusto do que a política anterior, de metas fiscais anuais e plurianuais. Essa visão não é totalmente infundada, uma vez que o teto atingiu natureza constitucional e, se excedido, desencadeia cortes automáticos de despesas.

Assim sendo, o sucesso do teto como mecanismo de sinalização significa que o seu relaxamento poderia ser percebido pelos mercados como sendo um sinal extremamente negativo, o que implicaria em consequências para os preços dos ativos e para os spreads.

E então? O teto está funcionando? A resposta inclui dois aspectos. Sim: os gastos primários pararam de crescer, e a trajetória das despesas primárias agregadas mudou de modo significativo. Se por um lado houve um crescimento médio de 6% em termos reais de 2008 a 2016, desde então o crescimento verificado foi zero.

Mas, analisando por outros ângulos, a resposta mostra-se menos clara. Até agora, o teto não teve sucesso em restaurar os superávits primários e a qualidade do ajuste fiscal foi baixa, focada apenas no corte de investimentos e na contração de uma sempre menor parcela do orçamento discricionário.

À medida em que a implementação da reforma da previdência avance e for sendo alcançado um acordo mais amplo sobre a necessidade da reforma administrativa, o espaço fiscal poderá ser aumentado e essa dinâmica poderá modificar-se daqui para a frente, muito embora seja preciso ainda mais para o atendimento da regra do teto.

No entanto, a aceleração do ritmo de ajuste das contas públicas e o aprimoramento da sua qualidade deverá exigir modificações das despesas compulsórias, qualquer que venha a ser a regra fiscal adotada.

Em última análise, é improvável que o ambiente das taxas baixas de juros dure para sempre. Quando chegar ao fim, deverá aumentar a pressão sobre o Brasil, para que o país reduza o seu déficit fiscal e interrompa o aumento da dívida. Um bom conselho para o Brasil seria que o país aproveitasse a situação atual para estar adequadamente preparado quando as condições financeiras mudarem.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Cornelius Fleischhaker, economista do Banco Mundial.

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