Rafael Muñoz

Economista líder para o Brasil do Banco Mundial, já trabalhou para a instituição na Ásia e na África.

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Como aumentar o uso de cartões de débito no Brasil com menor custo

Apesar de o Brasil ser o segundo maior mercado de cartões, interoperabilidade entre caixas eletrônicos é baixa

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Os brasileiros adoram cartões de débito e crédito. É a modalidade de pagamento mais usada no país, fazendo do Brasil o segundo maior mercado de cartões do mundo.

O uso de cartões para sacar dinheiro também é frequente no Brasil, já que muitos pagamentos ainda são feitos em espécie. Por isso, no final de dezembro de 2018, haviam 176.000 caixas eletrônicos e 8.482.000 terminais POS (Point of Sale —terminais de captura de transações com cartões em ponto de venda) no país, pertencentes a 21 redes interbancárias diferentes —em sua maioria, redes de um banco só. 

No entanto, a interoperabilidade entre as diferentes redes de caixas eletrônicos (ou seja, a possibilidade de usar um cartão de débito em uma rede de caixas eletrônicos diferente da rede do banco que emitiu o cartão) é bastante baixa.

Para cartões de débito, a única exceção é a rede Banco24Horas, que presta serviços a instituições financeiras que não dispõem de redes próprias e integra algumas redes proprietárias, mas com um número limitado de caixas eletrônicos.

No caso de saques em caixas eletrônicos com cartões de crédito, a interoperabilidade existe, mas o custo para os clientes é alto.

Cartões de crédito; Brasil é o segundo maior mercado para cartões
Cartões de crédito; Brasil é o segundo maior mercado para cartões - Reuters

Pouca interoperabilidade se traduz em custos operacionais mais elevados para o sistema bancário, reduz as opções disponíveis para o consumidor e aumenta os custos quando o saque é feito em uma rede de caixas eletrônicos diferente da rede do banco emissor do cartão.

A interoperabilidade também é uma questão de grande relevância para que se possa dar continuidade ao desenvolvimento das fintechs no Brasil, que têm o potencial de aumentar a concorrência no setor financeiro.

Algumas das novas fintechs podem ter contas operacionais e emitir instrumentos de pagamento. Mas seus clientes precisam poder usar os caixas eletrônicos para sacar dinheiro.

Para isso, é preciso regulamentar como os diversos prestadores de serviços financeiros —incluindo fintechs— poderão acessar os diversos caixas eletrônicos, garantindo que esse acesso seja justo, aberto e sem discriminação, impondo condições proporcionais aos riscos.

Além disso, as fintechs devem ser regulamentadas de acordo com princípios e regras gerais, ao invés de contar com regras específicas, visando garantir a neutralidade da tecnologia, inclusive em relação ao acesso às redes de caixas eletrônicos.

Como encontrar o equilíbrio certo entre o proprietário do caixa eletrônico, que precisa investir no sistema e arcar com os custos de manutenção e de mitigação de riscos, e os potenciais usuários?

Primeiro, precisamos entender que a falta de interoperabilidade entre os caixas eletrônicos no Brasil é resultado das regras que regem o acesso aos diferentes sistemas e das taxas cobradas dos usuários, e não da infraestrutura técnica em si. 

Segundo, garantir a interoperabilidade das redes de caixas eletrônicos exige que ao menos quatro elementos estejam claramente definidos: (1) regras e procedimentos operacionais relativos a acordos de compensação e liquidação, (2) estrutura de gerenciamento de riscos, (3) acordos de resolução de disputas, e (4) regras de participação, marcas e modelos de precificação.

Também exige uma boa gestão da governança do SIP (Sistema Interoperável de Pagamentos), que é uma infraestrutura de interligação que possibilita a todos os caixas eletrônicos elegíveis trocarem informações e pagamentos. 

As regras a serem adotadas pelo Bacen (Banco Central do Brasil) são, portanto, fundamentais para garantir a plena interoperabilidade no Brasil. Quais são as opções disponíveis? 

Primeiro, o Bacen pode exigir a interoperabilidade e deixar que os próprios atores do mercado se organizem, contanto que adotem critérios de acesso transparentes e sem discriminação.

Ao seguir por esse caminho, o Bacen também deve consultar todas as partes interessadas, incluindo as redes internacionais de cartões, para discutir questões relacionadas a encargos e taxas, incluindo a taxa de intercâmbio e outras taxas (se houver) a serem cobradas do cliente. 

A escolha dessa opção pelo Bacen facilitaria a interoperabilidade sem afetar a atual estrutura de mercado e as operações que já ocorrem na infraestrutura de caixas eletrônicos no Brasil —um sistema semelhante à atual estrutura de mercado dos Estados Unidos.

Outra alternativa seria o Bacen determinar que todas as instituições financeiras façam parte das redes de caixas eletrônicos já existentes. Também pode decidir que todas as transações nos caixas eletrônicos sejam roteadas internamente no Brasil, compensadas e liquidadas por um único SIP (como no Reino Unido), ou por meio de vários acordos bilaterais de caixas eletrônicos (como no México). 

Além disso, o Bacen pode deixar o banco adquirente do caixa eletrônico decidir qual será a sua rede preferida de SIP para compensação e liquidação, que pode inclusive ser internacional. 

Outras alternativas incluem a determinação do Bacen de que todas as instituições financeiras ingressem em um SIP específico ou mesmo a criação de um novo SIP, que seria utilizado por todos os caixas eletrônicos como um bem público. 

Qualquer que seja a opção escolhida (após uma análise dos prós e contras), ela deve garantir uma estrutura de governança adequada, acesso justo de todas as partes interessadas à infraestrutura (incluindo acesso às fintechs) e regras de gestão de riscos.

As tendências mundiais são claras e apontam para um nível alto de interoperabilidade das redes de caixas eletrônicos em nível global. Aproximadamente dois terços dos bancos centrais que participaram de uma recente Pesquisa sobre Sistemas Globais de Pagamento indicaram que seus caixas eletrônicos e terminais POS são totalmente interoperáveis. 

Visando avançar em direção a esse objetivo, o Bacen lançou uma consulta pública para aprimorar o sistema atual. O Banco Mundial também publicou recentemente uma nota sobre algumas experiências internacionais nesse sentido. 

Se o Brasil tem como objetivo aumentar a concorrência no setor financeiro, melhorar a experiência do cliente e reduzir os custos, além de realizar o pleno potencial das fintechs, garantir a interoperabilidade dos caixas eletrônicos seria um grande passo à frente. 

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