Rafael Muñoz

Economista líder para o Brasil do Banco Mundial, já trabalhou para a instituição na Ásia e na África.

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Contrato Verde Amarelo: um passo na direção certa

Medida pode ajudar jovens que sofreriam com consequências da crise econômica durante toda a vida profissional

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A recente crise econômica do Brasil foi acompanhada pelo aumento do desemprego, um problema que vem se mostrando difícil de contornar, principalmente para os jovens.

Em 2019, segundo dados do IBGE, a taxa de desemprego entre as pessoas com entre 15 a 29 anos oscilou em torno de 23%, contra 11,9% da população geral.

Embora o principal objetivo do governo seja acelerar o crescimento econômico para gerar mais empregos para todos, a melhoria das perspectivas de emprego para os jovens é de especial relevância. Os jovens têm maior probabilidade de adquirir “cicatrizes” –ou seja, rendimentos permanentemente mais baixos– quando enfrentam altas taxas de desemprego logo no início da carreira.

Uma das respostas do governo a essa questão é a medida provisória (MP) do Contrato Verde Amarelo (CVA), um programa de subsídio salarial para jovens que ingressam no primeiro emprego formal com remuneração de até 1,5 salário mínimo. O subsídio reduz os encargos não-salariais dos empregadores de 26% para 4% do custo total de trabalho, nos dois primeiros anos de trabalho.

O objetivo é compensar os empregadores pelos custos elevados de contratar trabalhadores sem experiência de trabalho. Trata-se de uma medida importante, principalmente quando os empregadores percebem que a produtividade inicial do trabalhador pode estar abaixo do salário mínimo. 

O CVA foi concebido para as pessoas desempregadas e vulneráveis que não se beneficiam de outros programas existentes. A maioria dos desempregados tem menos de 30 anos de idade, possui qualificação média e baixa e não provém de emprego formal anterior.

Com base na análise do painel de dados da Pnad Contínua de 2012-2019, apenas 10% das pessoas que buscavam emprego em 2019 haviam ocupado alguma vaga formal nos seis meses anteriores: a maioria era formada por estudantes, trabalhadores informais ou pessoas desempregadas há muito tempo. Isso acontece porque, na crise econômica, o custo do ajuste acabou ficando nos ombros dos recém-chegados ao mercado de trabalho, que enfrentaram um forte declínio das taxas de contratação, em vez do aumento da taxa de demissão dos trabalhadores atuais.

Nesse caso, o seguro desemprego perde eficiência na mitigação dos efeitos do desemprego; de fato, os gastos com benefícios para os desempregados vêm caindo continuamente desde o pico da crise. Diante de tal situação, um subsídio que aumente a demanda pelas pessoas mais afetadas pela crise parece ser uma solução sensata.

Os subsídios salariais não são novidade no Brasil, mas o CVA apresenta custos mais baixos e incorpora recursos para melhorar sua relação custo-benefício. A eficácia da desoneração da folha de pagamentos (já quase totalmente eliminada) em determinados setores, para todos os funcionários na ativa e também trabalhadores adicionais, é limitada e o custo fiscal é alto. O CVA, por sua vez, tem uma população-alvo clara, o teto de 1,5 salário mínimo para o subsídio e cobre a maioria das vagas de emprego que costumam ser oferecidas às pessoas de baixa e média qualificação que entram no mercado de trabalho.

Além disso, o programa tem duração limitada, incentivando o trabalhador a melhorar sua produtividade ao longo do tempo, antes do programa acabar. Por fim, o CVA tenta conter o desperdício de recursos, uma vez que vale apenas para as novas contratações em empresas que aumentam seu número total de postos de emprego.

 

A medida, no entanto, suscita um desafio: a possibilidade de algumas empresas desfavorecerem a contratação de outros trabalhadores vulneráveis que não participam do programa. Além disso, nem todos esses novos empregos contribuirão, necessariamente, para a redução do desemprego, pois muitos deles podem ser apenas empregos informais convertidos em vagas formais dentro das empresas. Mesmo assim, a formalização é algo desejável, pois os trabalhadores formais tendem a gozar de melhor acesso à proteção social e, às vezes, capacitação.

Programas que seguem conceitos muito semelhantes ao CVA em economias emergentes (incluindo a Turquia, Colômbia e Chile) aumentaram em 5% a 30% as chances da população-alvo conseguir emprego em comparação ao grupo de controle. Ao mesmo tempo, as experiências internacionais indicam a importância da complementaridade do CVA com outros programas ativos no mercado de trabalho, com o intuito de sustentar a produtividade e as habilidades dos jovens que se candidatam às vagas de emprego.

Meta análises detalhadas sugerem que, se os programas de capacitação forem bem projetados, terão um impacto maior e mais duradouro que os empregos subsidiados, visto que contribuem para o desenvolvimento do capital humano. Além disso, no caso de grupos especialmente vulneráveis e que sofrem com diversas restrições, os programas que combinam subsídios de curto prazo com treinamento e intermediação do lado da oferta costumam ter mais chance de dar certo (Kluve 2016; Card et al 2015).

De fato, a medida provisória do governo inclui disposições que priorizam os beneficiários do CVA nas ações de qualificação profissional, mas isso ainda precisa ser operacionalizado e exigirá investimentos para garantir a coordenação, a qualidade e a devida segmentação do grupo-alvo. Além disso, o sistema de intermediação de trabalho pode ajudar os jovens de famílias de baixa renda que buscam emprego a encontrar empresas interessadas em usar o CVA; dessa forma, é possível aumentar o impacto do CVA em termos de equidade e, com isso, também sua relação custo-benefício.

O financiamento para os programas do mercado de trabalho no Brasil é amplo, mas a rigidez de sua alocação é uma restrição à modernização da política de trabalho. As despesas com programas de mercado de trabalho (financiados pelo governo e pelas empresas) representam cerca de 2,2% do PIB, acima da média dos países da OCDE.

Juntos, os gastos com seguro desemprego, saques do FGTS motivados por demissão, abono salarial e Salário Família compreendem 85% desse total: todos esses programas protegem ou complementam a renda dos trabalhadores formais. Os outros 15% referem-se, em grande parte, ao Sistema S, que resistiu à crise fiscal por ter seu financiamento vinculado, mas sua missão não é servir as pessoas vulneráveis no mercado de trabalho.

O financiamento de todos os outros programas ativos de mercado de trabalho com o potencial de beneficiar as pessoas que procuram emprego, bem como os trabalhadores informais (que já representavam apenas uma pequena parcela do gasto total), quase desapareceu sob o peso do ajuste fiscal.

O financiamento do CVA precisa respeitar o teto de gastos e precisará realocar recursos em um orçamento já muito apertado. De fato, a reforma dos principais programas de desemprego pode ser uma oportunidade para melhorar a qualidade da proteção das pessoas que perdem o emprego ou das recém chegadas ao mercado de trabalho, ao mesmo tempo que abre espaço fiscal para apoiar serviços de intermediação de trabalho, formação e subsídios salariais específicos, como o CVA.

Este seria um passo na direção certa para apoiar as gerações de jovens que não foram responsáveis pela crise econômica mas que, mesmo assim, podem vir a sofrer com as consequências da crise durante toda sua vida profissional.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Matteo Morgandi, economista sênior do Banco Mundial

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