Rafael Muñoz

Economista líder para o Brasil do Banco Mundial, já trabalhou para a instituição na Ásia e na África.

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Novos números mostram por que é crucial proteger os mais pobres na crise da Covid-19

Sem ter se recuperado completamente da crise de 2014/16, muitas famílias já esgotaram seus recursos e passam por dificuldades.

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Em outubro do ano passado, quando o IBGE publicou novos dados sobre o período de 2012 a 2015 e também 2018, foi possível, pela primeira vez, ter uma visão completa da magnitude dos efeitos da crise de 2014-16 sobre a pobreza e a desigualdade no Brasil.

Esses dados agora foram incorporados às taxas anuais de pobreza do Banco Mundial referentes a todos os países, publicadas na semana passada, que possibilitam comparações internacionais e o monitoramento dos avanços nas metas mundiais – principalmente a eliminação da pobreza extrema até 2030 (o primeiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável).

O Banco Mundial usa três linhas globais de pobreza, duas delas relevantes para o Brasil em comparações internacionais: a linha internacional de pobreza (LIP) (US$ 1,90 por dia e pessoa de acordo com a Paridade do Poder de Compra, PPC, de 2011) e a linha de US$ 5,50 na PPC de 2011 para países de renda média-alta.

A primeira linha é usada para o monitoramento do primeiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável. Ela define o custo de atender às necessidades básicas nos países mais pobres do mundo e pode ser vista como um limiar mínimo absoluto para o monitoramento da pobreza global.

A segunda foi introduzida em 2017, seguindo as recomendações da Comissão de Pobreza Global1, como linha complementar para refletir as linhas de pobreza típicas em países de renda média-alta. Em comparação aos valores de referência brasileiros, US$ 1,90 é similar ao limiar de elegibilidade para o Programa Bolsa Família (R$ 150 mensais) e a linha de US$ 5,50 (R$ 434 mensais) é similar a meio salário mínimo.

Os indicadores atualizados trazem duas mensagens fundamentais: primeiro, que a crise econômica de 2014-16 afetou desproporcionalmente os brasileiros mais pobres e causou um aumento considerável da desigualdade. Entre 2014 e 2016, quase 5,6 milhões de brasileiros entraram em situação de pobreza (US$ 5,50 por dia), o equivalente a 20,1% da população.

Já o número de pessoas que vivem com menos de US$ 1,90 aumentou em 2,5 milhões e ultrapassou a marca dos 8 milhões. O índice de Gini2 que mede a desigualdade de renda subiu de 51,9 em 2015 para 53,3 em 2016 - o maior aumento de um ano para o outro no Brasil desde a adoção do Plano Real (1994).

Segundo, que, para milhões de brasileiros, a crise econômica ainda não acabou. A natureza desigual da recuperação a partir de 2017 acabou deixando os 40% mais pobres em situação ainda pior do que antes da crise. Apesar do crescimento econômico desde 2017, o número de brasileiros que vivem com menos de 1,90 dólar continuou a aumentar, chegando a 9,3 milhões em 2018. A desigualdade também seguiu uma trajetória ascendente, com o Gini atingindo o patamar de 53,9 em 2018 - maior do que em 2012. Esse efeito foi sentido em todo o país.

À exceção de Minas Gerais, a pobreza na faixa de US$ 1,90 foi maior em 2018 do que em 2014 em todas as Unidades da Federação do Brasil (incluindo o Distrito Federal). Da mesma forma, à exceção de quatro Unidades da Federação (DF, MG, TO, ES), todas apresentaram taxas mais altas de pobreza na linha de US$ 5,50. Em termos reais, a renda dos 40% mais pobres foi menor em 2018 do que em 2014 em todas as Unidades da Federação, exceto quatro (DF, MG, MS, SC) (ver Gráfico 1). O impacto, sentido em todo o país, tem sido mais severo nas Regiões Norte e Nordeste, onde a renda já era menor

No Brasil, à medida que os decisores políticos se debruçam sobre formas de mitigar os custos econômicos e sociais da atual crise da COVID-19, é muito importante tomar em conta a situação já debilitada dos 40% mais pobres do Brasil. Sem ter se recuperado completamente da crise de 2014/16, muitas famílias já esgotaram seus recursos e passam por dificuldades. Mas também existem lições importantes que foram aprendidas e podem ser usadas daqui para frente.

Os trabalhadores assalariados no setor formal (com carteira assinada) e servidores públicos, embora também corram o risco de sofrer reduções de renda e, em alguns casos, até demissões, têm maior capacidade de absorver os choques de renda no curto prazo, pois têm acesso a afastamento por auxílio-doença, estabilidade no cargo garantida por lei e acesso a seguro desemprego ou FGTS.

No entanto, quase um terço da população brasileira (66,3 milhões de pessoas) vive em famílias onde mais da metade da renda provém de fontes de trabalho desprotegidas. Nessas famílias, a maior parte da renda vem de trabalho informal ou independente. Essas famílias enfrentam um risco ainda maior e, portanto, será necessário um esforço adicional para protegê-las.

O anúncio da expansão do Bolsa Família, que passará a incluir pessoas que aguardavam para ingressar no programa, é um primeiro passo importante, pois ajuda as pessoas que já eram necessitadas antes da crise do Coronavírus. No entanto, o atual cenário global e nacional aponta para a necessidade de medidas adicionais.

As transferências automáticas para proteger os trabalhadores informais por meio do Cadastro Único, aprovadas pelo Congresso como medida de apoio à demanda no curto prazo, é um passo positivo na direção certa. A boa notícia é que os instrumentos e programas disponíveis, como o Cadastro Único e o Bolsa Família, podem ser fundamentais para facilitar a implementação dessas medidas.

O Brasil está aderindo ao consenso global sobre a necessidade de proteger as famílias. Até 20 de março de 2020, 45 países já haviam introduzido, adaptado ou ampliado programas de proteção social em resposta à COVID-19. Tomar medidas ativas para atender a essas necessidades no curto prazo ajudará a restringir os efeitos prejudiciais a longo prazo da pandemia no Brasil.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Liliana Sousa, economista sênior do Banco Mundial, e Anna Luísa Paffhausen, economista do Banco Mundial.

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