Rafael Muñoz

Economista líder para o Brasil do Banco Mundial, já trabalhou para a instituição na Ásia e na África.

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Rafael Muñoz

É urgente aprovar uma lei para resolução de instituições financeiras

Assim BC estará devidamente municiado para enfrentar eventuais turbulências que podem advir da pandemia

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O Banco Mundial participou recentemente de um debate promovido pelo Instituto dos Advogados de São Paulo em conjunto com a Comissão de Direito Bancário da OAB/DF e com o FGC (Fundo Garantidor de Créditos) sobre o Projeto de Lei Complementar número 281, de 2019 (PLC 281/2019), que está aguardando votação pelo Congresso desde dezembro daquele ano.

O projeto trata das ferramentas disponíveis para que as autoridades possam lidar com a insolvência, ou “resolver”, instituições financeiras, incluindo seguradoras e infraestruturas do mercado, como bolsas de valores. A experiência internacional demonstra que mecanismos eficientes de resolução têm impacto direto sobre a estabilidade do sistema financeiro, que por sua vez é essencial para o crescimento econômico e a geração de empregos.

As ferramentas de resolução incluídas no PLC baseiam-se nos “Atributos-Chave de Regimes de Resolução Eficientes para Instituições Financeiras” desenvolvidos pelo Comitê de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board) após a crise de 2008, e têm como principal objetivo criar mecanismos para que se evite o uso de recursos públicos para salvar os bancos considerados “grandes demais para quebrar” (“too big to fail”).

A atual legislação brasileira prevê apenas duas soluções para uma instituição financeira que se torne insolvente. Na primeira, instituições menores são resolvidas com o regime de liquidação extrajudicial da Lei 6024, de 1974, que prevê o fechamento da instituição, a venda de seus ativos e a distribuição dos valores apurados entre os credores. No caso dos bancos e cooperativas de crédito, os pequenos depositantes (com depósitos de até R$250 mil) são indenizados rapidamente pelo FGC ou pelo Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop). Já os maiores credores frequentemente levam anos até serem restituídos.

Sede do Banco Central em Brasília
Sede do Banco Central em Brasília - Fátima Meira/Folhapress

A segunda se aplica a instituições financeiras “grandes demais para quebrar”, que não podem ser fechadas subitamente pelo significativo impacto sobre a economia. Nesses casos, o único remédio disponível no Brasil hoje é a aplicação do artigo 28 da Lei Complementar 101 de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que permite ao Congresso Nacional autorizar o uso de recursos públicos para socorrer instituições do Sistema Financeiro Nacional. As duas soluções disponíveis hoje, portanto, são extremas: de um lado, o fechamento imediato da instituição, e de outro, o uso de recursos públicos para socorrê-la.

O PLC 281, seguindo boas práticas internacionais, inova ao trazer uma série de ferramentas intermediárias, que permitem às autoridades lidar com uma instituição de grande porte sem ter que fechar suas portas ou socorrê-la com recursos dos contribuintes. Isso inclui a possibilidade de absorção de prejuízos pelos acionistas e credores (bail-in), de criação de um banco-ponte para dar continuidade às atividades críticas de uma instituição falida, de separar ativos para venda a potenciais interessados, dentre outras. O projeto ainda introduz a obrigação de as instituições de maior importância prepararem seus planos de recuperação, delineando as ações que tomarão caso entrem em crise, e “planos de saída organizada”, estabelecendo os passos que devem ser tomados caso estas necessitem ser retiradas do mercado. Esses planos são importantes para facilitar a continuidade das funções consideradas críticas para a economia brasileira, e que não podem ser paralisadas mesmo que a instituição quebre.

Ao trazer previsibilidade, celeridade e princípios claros, o PLC 281 fomenta a confiança no Sistema Financeiro, torna mais rápidas as soluções de crises e permite aos investidores saberem, de antemão, as consequências das quebras. Além disso, o projeto reforça substancialmente a rede de proteção do sistema financeiro, ampliando a atuação do FGC e doFGCoop, e dando mais celeridade ao processo de recuperação de créditos.

Finalmente, o PLC 281 incorpora algumas das recomendações na área de gestão de crises feitas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional durante o FSAP (Programa de Avaliação do Sistema Financeiro) de 2018, como a proteção jurídica aos agentes públicos encarregados de tomar as decisões no processo de resolução.

Reconhecemos o trabalho que o Banco Central do Brasil vem realizando na manutenção da estabilidade do sistema financeiro nacional: os números demonstram que, apesar das dificuldades, o setor bancário brasileiro continua sólido e hígido. Ainda assim, o PLC 281 representa um grande avanço para a melhoria do arcabouço de gestão de crises financeiras brasileiro, e sua aprovação é ainda mais importante no atual cenário de escalada da inadimplência decorrente da Covid-19.

Mas a mera aprovação do PLC 281 não basta. É preciso que as autoridades brasileiras prossigam na agenda de adoção das recomendações do FSAP de 2018 para fortalecer o mandato do Banco Central, garantir uma melhor troca de informações entre os agentes –públicos e privados (como o FGC e o FGCoop)– encarregados da gestão de crise, e estabelecer um mecanismo funcional de assistência de liquidez emergencial. É preciso também um maior engajamento do Poder Judiciário na resolução de crises, assegurando decisões céleres e segurança jurídica para que autoridades, credores, FGC e administradores possam tomar as decisões difíceis necessárias em tempos de crise.

Assim o Banco Central do Brasil estará devidamente municiado para enfrentar as eventuais turbulências que podem advir desta pandemia e para defender a estabilidade financeira, cooperando assim com o contínuo crescimento do país.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Danilo Palermo, especialista sênior do Banco Mundial para o setor financeiro.

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