Os leitores que me acompanham neste espaço sabem que defendo teses liberais na economia: sou a favor de privatizações, menos impostos, mais abertura comercial, menos intervenção estatal no geral.
Todavia, como a realidade é mais “cinza” do que gostamos de admitir, me permito aqui deixar de lado essa cartilha. Neste momento, sou contra a desvinculação das receitas destinadas à saúde e educação proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
A desvinculação acabaria com a obrigação de que União, Estados e municípios destinem um porcentual de sua receita (entre 12% a 25% dependendo do ente federativo) para a saúde e educação. Em teoria, a tese é democrática.
Trata-se de dar maior liberdade aos representantes eleitos para que decidam como o Orçamento deve ser gasto. A questão é que, infelizmente, não confio em nossos políticos para fazer essa escolha.
Meu receio é que, sem amarras constitucionais, eles gastem ainda mais em contratação de assessores, reajuste da própria remunerção, correção dos salários dos juízes e servidores em geral, e quebrem o que resta do setor público.
Até porque é preciso ressaltar que a desvinculação das despesas, sem a reforma da Previdência, não servirá para quase nada. Cerca de 65% dos gastos da União vão para aposentadorias e remuneração do funcionalismo público.
Não estou sozinha nessa análise. Em 2016, quando a aprovação da lei do teto de gastos também suscitou esse debate, o professor Naércio Menezes Filho, coordenador do centro de políticas públicas do Insper, escreveu o seguinte nesta Folha:
“Basta examinar nossa história social antes de 1988. Os constituintes criaram as vinculações para evitar a escassez de recursos em setores tão fundamentais. Para amarrar as próprias mãos. Num mundo ideal, essas vinculações não seriam necessárias. Nossos políticos, entretanto, estão muito longe desse ideal”.
Nessas três décadas desde a Constituição de 1988, o número de militantes das causas de educação e saúde aumentou muito. Torço para que no futuro a sociedade civil seja forte o suficiente para pressionar pela aprovação de recursos para essas áreas sem qualquer tipo de amarra. Agora, contudo, não acredito que tenha força para isso.
É claro que gastar muito não significa gastar bem. A qualidade de saúde e educação no Brasil é sofrível, mas não dá para negar os avanços garantidos pela vinculação. Hoje quase a totalidade das crianças brasileiras em idade para o ensino fundamental está na escola e o SUS atende a quem mais precisa mesmo com meses de fila de espera.
Na avaliação de Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, o Brasil tem outras prioridades na agenda econômica como a reforma da Previdência, a reforma tributária e a cobrança de maior meritocracia entre os servidores públicos. Dos dois últimos pontos, o governo Bolsonaro sequer começou a tratar.
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