Raquel Landim

Jornalista especializada em economia, é autora de ‘Why Not’, sobre delação dos irmãos Batista e a história da JBS.

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Ao mirar a caixa-preta do BNDES, Bolsonaro erra o alvo

Presidente deveria parar com a caça às bruxas dentro do banco e buscar os verdadeiros culpados entre os políticos

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Nesta quarta-feira (26), o ex-presidente do BNDES, Joaquim Levy, afirmou que o banco “não tem nada a esconder”. A enfática defesa da instituição foi feita perante os parlamentares que integram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) responsável por investigar práticas ilícitas no BNDES.

O depoimento em Brasília foi a primeira vez que Levy falou publicamente de sua constrangedora demissão do cargo, que ocorreu após o presidente Jair Bolsonaro dizer que ele estava “com a cabeça a prêmio”, entre outros motivos, por se negar a abrir a caixa-preta do BNDES.

Desde então começou um intenso debate no país se existe realmente essa tal caixa-preta. Os defensores do banco dizem que o BNDES melhorou muito o nível de transparência das suas operações e que não existe nada a se revelar. Pode até ser verdade mas parece um contrassenso diante de tudo que ocorreu nos últimos anos.

Sob o comando dos governos do PT, o BNDES despejou bilhões de reais nos frigoríficos JBS, Marfrig e Bertin, entre outras empresas. Joesley Batista, dono da JBS, reconheceu em delação premiada que pagou propina ao ex-ministro Guido Mantega para obter os aportes.

Já as injeções de capital no Bertin e no Marfrig permanecem mal explicadas até hoje. No caso do Bertin, o banco aplicou pelo menos parte dos R$ 2,5 bilhões totais ciente de que a situação da empresa já era calamitosa. O frigorífico só não foi a falência porque foi comprado pela JBS numa operação feita na medida exata para salvar o BNDES.

Também são motivo de indignação os financiamentos concedidos pelo banco para financiar obras de empreiteiras brasileiras em países com alto risco de crédito como Venezuela, Cuba ou Moçambique. As obras foram feitas por Odebrecht e Andrade Gutierrez, ambas apanhadas pela Operação Lava Jato. 

Nos últimos meses, o Tesouro Nacional já gastou mais de US$ 500 milhões para reembolsar o BNDES por causa dos calotes desses três países, já que é o garantidor dos créditos. E a conta deve aumentar muito a medida que os financiamentos bilionários de longo prazo forem vencendo.

Resumindo: algumas operações feitas pelo banco de fomento nos últimos anos são resultado de políticas equivocadas, de má gestão e até de corrupção, e merecem ser investigadas. O problema é que Bolsonaro, ansioso por colher os dividendos políticos, erra o alvo quando mira a caixa-preta do BNDES.

Levy já deu o tom quando disse na CPI que havia desconforto entre os técnicos com determinadas políticas de governo. Em 2017, esta colunista fez um ampla investigação para a Folha sobre os empréstimos concedidos pelo BNDES para a construção do porto de Mariel, em Cuba.

Li dezenas de atas do Cofig (o órgão interministerial responsável por aprovar os financiamentos), telegramas trocados entre as embaixadas, e conversei com pessoas envolvidas nas discussões. Encontrei juros generosamente subsidiados, prazos de pagamento bastante dilatados e garantias risíveis —um negócio de pai para filho.

Mas também descobri que técnicos do BNDES, do Banco do Brasil e do antigo ministério do Desenvolvimento levantaram inúmeras ressalvas. Alertaram que Cuba tinha chegado a ficar inadimplente no passado e não queriam aceitar as garantias, que consideravam frágeis. Por fim, a decisão coube ao então presidente Lula, que acertou uma parcela do empréstimo diretamente com o ditador Raúl Castro em viagem a Havana.

Até agora as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público falharam em encontrar pagamento de propina para funcionários do BNDES. Em alguns casos, eles podem até ser acusados de gestão temerária, mas seguiam as diretrizes dos governos da época, que eram definidas pelos ministros e pelos presidentes. Se quiser realmente explodir a caixa-preta, o atual governo tem que parar com a caça às bruxas dentro do banco e buscar os verdadeiros culpados entre os políticos.

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