Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Evento de caridade 'para homens': última fronteira dos escândalos sexuais

Recepcionistas denunciam assédio em tradicional jantar beneficente em Londres 

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​Reportagem investigativa do Financial Times desnudou os bastidores de um tradicional evento beneficente "só para homens" realizado anualmente há mais de três décadas em Londres. 


Repórteres do tradicional jornal econômico inglês se passaram por "hostess" do President's Club Charity Dinner, o jantar de caridade do President's Club, realizado no luxuoso hotel Dorchester. 

Madison Marriage, que assina o texto publicado em 23 de janeiro, diz ter sido assediada na pele de uma das 130 mulheres contratadas para entreter os 360 convidados. 

Bilionários das finanças, altos executivos e personalidades do esporte e do showbiz pagaram por mesas e convites, além de participarem de um leilão beneficente cujo catálogo era ilustrado com foto sensual de Marilyn Monroe. 

O jornal inglês mostra uma noite de gala em prol de entidades assistenciais em que mulheres vestidas para seduzir eram exibidas para homens em black-tie, muitos deles dispostos a terminar a noitada nas suítes do hotel.

"Todas as mulheres foram convidadas a usar lingerie preta e sandálias de salto. Muitas –​entre elas estudantes atrás de um dinheiro extra– foram apalpadas e sexualmente assediadas."

As recepcionistas relataram ao FT que os homens repetidamente passaram as mãos em seus corpos. Uma delas disse que um convidado exibiu o pênis para ela no salão durante o evento. 

As denúncias de assédio, vulgaridades e machismo explícito expuseram as entranhas do President's Club e seus métodos pouco ortodoxos para angariar fundos. 

Ao longo de 33 anos, o evento arrecadou mais de 22 milhões de libras (o equivalente a R$ 98 milhões) para obras de caridade. 

BOAS CAUSAS

O objetivo oficial do clube de senhores era levantar dinheiro para entidades como o Great Ormond Street Hospital, especializado em atendimento infantil.

Em nome de boas causas e em apoio a instituições filantrópicas reconhecidas, os convidados eram estimulados a dar lances para almoços com autoridades e esportistas ou chá da tarde com banqueiros. 

Havia ainda atrativos mais mundanos, como arrematar um lote que incluía rinoplastia, lipoaspiração, aumento mamário ou melhorias faciais para "adicionar tempero à sua esposa", conforme propagandeado no catálogo.

O vencedor do lote sete, por exemplo, levou para casa um vale para uma noitada no Soho's Windmill Club para até cem convidados, com direito a "lap dance". Aquela dança erótica na qual a dançarina se move sensualmente com ou sem roupa e se senta no colo do cliente. 

Com um cardápio tão sugestivo de prêmios para os filantropos convidados, as jovens contratadas foram alertadas na seleção de que os "homens presentes poderiam ser irritantes". 

Uma delas foi aconselhada a mentir para o namorado sobre o fato de ser um evento exclusivamente masculino. "Diga-lhe que é um jantar de caridade."

Aquelas que passaram pelo crivo ("altas, magras e bonitas"), ao chegar ao Dorchester, recebiam o modelito sexy, adornado por um cinto, mais parecido a um espartilho. Assinavam termo de confidencialidade e eram encaminhadas para maquiagem. 

Uma garota de 19 anos disse à repórter travestida de colega que um senhor de 70 anos lhe perguntara se ela era prostituta. Um convidado mais animado puxou uma recepcionista pela cintura e disse: "Quero que você abaixe sua calcinha e dance naquela mesa."

No mesmo salão, um outro bilionário fazia um lance de 400 mil libras para colocar seu nome em uma nova ala de um hospital infantil.

Eram quase 2h da manhã, quando mais uma gala beneficente do President's Club chegava ao fim. 

TRANSPARÊNCIA

Depois de publicadas as denúncias, o clube divulgou nota sobre os fatos narrados pelo Financial Times. "O President's Club hospedou recentemente seu jantar anual, levando vários milhões de libras para crianças desfavorecidas. Os organizadores estão consternados com as alegações de mau comportamento no evento, totalmente inaceitável."

Com a divulgação da lista de convidados, empresas e executivos tentaram descolar suas imagens do agora mal-afamado President's Club. 

Nenhuma das entidades beneficiadas com os fundos arrecadados no evento deste ano se manifestou após o escândalo. 

Silêncio que fala alto. Os fins justificariam os meios? 

Tão escandaloso quanto o escândalo sexual em si é o fato de uma gala beneficente se tornar símbolo de misoginia, abuso sexual e orgia de gastos e egos.

Quanto de vaidade e de autopromoção há neste tipo de evento? O que de fato vai para caridade? São questões relevantes em tempos nos quais se fala tanto de "compliance", a obrigação de agir em sintonia com as regras nos controles internos e externos dos negócios.

E mais ainda em tempos também de tolerância zero em relação ao assédio sexual até em ambientes onde historicamente eles foram aceitos e acobertados como Hollywood. É um bom sinal que as recepcionistas do President's Club tenham ganhado voz. 

Nas entrelinhas, as mulheres sujeitadas ao papel de acompanhantes de luxo em uma festa beneficente sublinham que não basta colocar a mão no bolso, mas é preciso colocá-la na consciência.

Filantropos de verdade estão comprometidos em fazer o bem, o que pressupõe ética, compaixão e compromisso. O mau exemplo do President's Club revela um tipo de benemerência travestida de hipocrisia, misoginia e sexismo. 

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