Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Eliane Trindade
Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Marielle é símbolo do potencial que existe na favela, diz sua ex-professora

Fundadora da ONG onde a vereadora fez cursinho faz parte do 'bonde de intelectuais' da Maré

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Tão simbólica quanto a execução e morte de Marielle Franco é a história do seu nascimento como militante e o processo de empoderamento como mulher negra, favelada e mãe adolescente. 

Condenada a um outro destino por ter nascido na Maré, o maior complexo de favelas do Rio de Janeiro, Marielle contrariou estatísticas e, dona de sua história, tornou-se uma das vereadoras mais votadas da capital fluminense nas últimas eleições.

Uma trajetória que começou a ser trilhada no pré-vestibular comunitário da Redes de Desenvolvimento da Maré, ONG fundada por Eliana Sousa, integrante e motor do “bonde de intelectuais” nascidos e criados na favela. 

Formada em letras pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), com mestrado em educação e doutorado em serviço social, Eliana foi professora de Marielle no pré-vestibular, uma das ações estruturantes que lidera na favela para transformar a realidade de jovens que lutam cotidianamente contra a violência, a desigualdade, o preconceito e a indiferença. 

A vereadora do PSOL era um dos 1.300 moradores da Maré que chegaram à universidade após passar pelo cursinho que aposta na inteligência local para mudar indicadores. 

Apenas 0,5% dos habitantes da Maré tinham curso superior quando Eliana e outros universitários locais decidiram investir tempo e saber para melhorar a formação de vestibulandos da comunidade, todos oriundos de escolas públicas. 

O resultado é uma Maré que fez emergir da favela mestres, doutores e lideranças políticas como Marielle Franco. 

A seguir o depoimento de Eliana, finalista do Prêmio Empreendedor Social em 2015, sobre o significado do assassinato de uma jovem que viu nascer como militante. 

 

Marielle foi minha aluna em uma das primeiras turmas do pré-vestibular comunitário que criamos em 1997 na Maré. 

Ela teve que interromper o cursinho quando ficou grávida. Depois, passaria para o vestibular de sociologia na PUC [Pontifícia Universidade Católica] e também atuou em alguns projetos da Redes da Maré, quando era estudante. 

Sempre foi muito ativa, uma ativista numa perspectiva de se envolver em questões coletivas desde muito jovem. 

A trajetória dela até ser eleita vereadora sintetiza muito o trabalho que nós fazemos na Maré. 

Nossa ideia é justamente investir no potencial que existe entre os moradores, de forma que possam lutar por mudanças concretas.

Estamos sempre buscando criar e fortalecer dinâmicas para o engajamento dos moradores em lutas sociais e por isso a perda da Marielle é uma tragédia em todos os sentidos. 

Ela é a demonstração desse potencial que existe na favela. É um símbolo de até aonde as pessoas podem chegar quando há possibilidade de elas sonharem e de se engajarem, quando há investimento. 

Temos muitas outras mulheres e outros homens nessa mesma perspectiva. Gente que está procurando entender as contradições e a desigualdade na qual vivemos. É um trabalho para além de se ver individualmente como alguém que está buscando ampliar sua condição de vida, material e existencial. 
Trabalhamos essa ideia de existir em um lugar como a Maré e de como cada um pode interferir na mudança que precisa acontecer no Brasil. 

O curso trabalha muito essa dimensão política, de autonomia, de não se moldar a um sistema que nos oprime e nos coloca em condição desigual. Qual é a sua escolha diante disso tudo?

Mais de 1.300 estudantes da Maré passaram pelo nosso pré-vestibular e estão engajados em diferentes áreas e movimentos sociais. Estão fazendo a diferença em muitos lugares. No próprio gabinete da Marielle tem outros ex-alunos do cursinho comunitário, como a Renata, a chefe de gabinete. 

A companheira da Marielle, a Monica, também foi aluna do cursinho. São pessoas que estavam buscando se colocar neste mundo de uma outra maneira. 

A morte dela é ainda mais grave por desnudar o país em que vivemos e mostrar como os pobres e negros são vistos neste processo.

COTIDIANO DE VIOLÊNCIA

Sou crítica em falar nestes momentos [de comoção]. É quando nos procuram para entrevistas sobre a violência que denunciamos cotidianamente. 

A imprensa se interessa quando há um caso como o da Marielle. Mas a morte dela é mais uma em um cenário no qual todos os dias morrem moradores de favela em contextos como este [de crime premeditado]. 

Engajada, ela denunciava isso. É lamentável que a gente lide com a questão da violência desta maneira e que é preciso uma morte nestas condições para sensibilizar as pessoas sobre o que acontece nas favelas e nas periferias do Brasil. 

Não podemos mais aceitar essa realidade. Não é um problema só de quem é pobre e está na periferia sofrendo na pele. Se não houver uma mobilização continuada da sociedade, se não houver empatia com esta questão da violência e da desigualdade, vão continuar matando e morrendo. 

Marielle alertou um dia antes: 'Até quando?' Todos os dias, ela convivia com isso, de ver gente morrendo e uma impunidade grande. Não conseguimos chegar a quem comete estes crimes nem interferir para mudar a lógica da segurança pública. 

Marielle, como vereadora, buscou esse lugar na cidade para ter uma voz e assim interferir no processo. 

A exemplo dela, muita gente vem sendo calada. Ano passado, foi feito um levantamento que mostra mais de cem mortes de ativistas. Não podemos personalizar essa luta. Ela é de todos nós.

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